domingo, agosto 27, 2006

onde ficar?

Como diferenciar o ciúmes do medo e da insegurança de perder? De se sentir ameaçada? Não falo isso pra mim, mas como mostrar ao outro a legitimidade de um sentimento sem que ele se contamine?

Eu não sei como fazer isso. Nem sei se há um modo. Como revelar alguma coisa pro outro e deixar que a fronteira entre o mim e você seja demarcada o suficiente para não haver contágio? Quando a gente fala, isso não mais nos pertence? É o mesmo com a escrita?

Onde fica o nosso poder sobre a gente mesmo, sobre o que a gente tem de mais nosso? O próprio sentir. Depois do ultimato eu larguei as defesas. Coloquei outras mais sutis no lugar. E tenho procurado o espaço do silêncio. Tudo é tão barulhento aqui dentro de mim. Me lembro do Nelsinho. Vontade de escutar o que ele tem pra dizer.

Eu tenho tentado falar do sono das minhocas, do adormecer do furacão, do fim dos incêndios e das enchentes. Mas só há tragédias na memória. Elas não vão sair dali pra me escutar? Não posso subsituir o filme e as fotos?

Não tenho mais espaço pra dizer o que é preciso ser dito? Não há escuta pra mim... Nem interesse sobre o que se passa aqui. Nem uma olhadela superficial no que pode se transformar. No que mudou. Nas novas defesas, sem arame farpado. Acho que sentem medo de ver o que está se transformando dentro de mim. De perceber o poder do novo. Da casa limpa.

Eu tentei. Mas não sei silenciar. Não sei esperar pelo trauma passar. Há alguns em mim ainda que não passaram, ao contrário. Que se cristalizam conforme o tempo. Criaram raízes que não quero deixar aprofundar no peito, depois elas tomam conta do resto do corpo. Será o mesmo com o outro? Será que passamos pelo mesmo medo? Pelo mesmo sentir? Será que eu também não consigo perceber o medo, a insegurança?

Onde ficar até isso passar?

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epifanias de bom-humor

Ainda falando sobre Deus... estranha motivação essa. Misteriosa, ao menos.

Ontem na viagem de volta de Campinas, com a Dani no carro e uma conversa super mulher - como sempre com ela - e cultivando uma amizade tão especial na minha vida, me dei conta que Deus é um cara de bom-humor. E pudera. Criar todo o Universo, como dizem, aguentar uma lista de mais de 6 bilhões de pedintes (fora os outros habitantes de sei lá quantos mundos que devem pedir pra caramba também!), de gente prometendo isso ou aquilo (como se ele precisasse da nossa garantia) e uma lista infindável de reclamações (essa é parte mais chata de ser Deus, penso).

Há dois anos atrás, não me lembro bem quando, na escola que trabalhava tive uma revelação desse bom-humor do Criador. Essas epifanias palhacitas sempre aconteciam na sala dos professores, cujos protagonistas eram a dupla inesquecível Fábio e Márcia, com o o elenco coadjuvante Sônia e William. O quarteto fantástico.

Mas a continuação da epifania veio numa apresentação da então 6a. série. Um conjunto de apresentações ligadas à aula de português (coisas da Márcia) com cenas das crônicas do Fernando Veríssimo. Eu não me lembro de nenhuma delas, mas lembro dos alunos. Não preciso repetir que essa foi a minha turma favorita. Um dia escrevo sobre ela. Recordo bem dos personagens... a Priscila, uma boneca, fez o papel de uma mulher à beira de um ataque de nervos. Nunca tinha visto a Priscilinha gritar e esbravejar daquele jeito. Depois pensei que era melhor cuidar mais da sala de aula. A Tamira fez o São Pedro. Nunca pensei que São Pedro pudesse ser daquele jeito. Fazia o tipo do velho tímido, mas sabido. Usava óculos.

Mas a revelação do dia foi ver Deus. Isso mesmo. Foi a primeira vez que o vi de fato, encarnado num corpinho de um aluno traquina. Não poderia ser diferente. Caio. Esse era Deus. Nunca vi uma imagem tão fiel do Criador - um jeito malandro, amoroso, mas esperto demais ao identificar as nossas idiossincrasias. E foi demais!

Não recordo do diálogo - isso de fato não era importante - mas lembro muitíssimo bem da atuação - divina - do Caio. Deus usava óculos e, um ano antes na 5a. série, um topete lindo! Estava deixando o cabelo crescer (exatamente como eu imaginava Deus, de cabelão e óculos!) e tinha um sorriso meio maroto do tipo eu sei exatamente o que você fez e o que vai me pedir! Bastava. Ri muito naquela manhã e depois daquilo as minhas aulas na sala nunca mais foram as mesmas. Eu me divertia dizendo a todos que dava aulas de História pra Deus. Putz! Isso é mais que sucesso profissional. Imaginem, contar ao mais velho dos espectadores, conjecturar, tentar entender e explicar, tudo, tudo o que ele tinha visto e, provavelmente, entendido, ajudado...

Quando as dúvidas surgiam na sala - pra mim e para os alunos - não titubeava: um momentinho pessoal... Deus o que aconteceu mesmo? Pode nos explicar isso melhor, por favor? OS humanos não deixaram evidências muito clara... As aulas tomaram um caráter muito mais divertido, misterioso, e acreditem, mais sério também. Era como se todo mundo ali, de algum modo, entendesso o mistério da divina presença, manifestada no Caio. O espaço sagrado da sala de aula tomou conta de todos.

Em poucos dias todos se referiam ao Caio, ao menos na minha aula, como Deus, e ele adorou. Um poder que ele nunca imaginou que pudesse ter. E o modo como ele exercia isso era o mais divertido. Em dias de prova, por exemplo, eu dizia aos alunos que era melhor estudar, e que não adiantava rezar, afinal, Deus estava ocupado - nessa situação específica, fazendo a minha prova. E se ele não tirasse um 10,0 como era o caso, respondia É professora, Deus anda ocupado e não teve chance de estudar. Ok. Deus sempre tinha razão mesmo. Não havia como argumentar.

Eu me divertia pensando na minhas delirantes imagniações de conversar com Deus. Levá-lo pra tomar um café, etc. Era muito melhor. Eu dava aula - e de História - pra ele. Sensacional. A presença divina do Caio tomou conta da gente. E um mistério ali se consagrou.

Eu senti muito de não ter ficado com essa turma até esse ano, até a 8a. série. Sinto saudades das risadas, do modo como eles me desafiavam. Como me faziam gostar ainda mais do que eu fazia. Do modo mágico como as aulas aconteciam. Além dos risos (intermináveis... a diretora certamente achava que não dava aula, mas que brincava com eles. Depois fiquei pensando porque o aprender tem que ser, para a maior parte das pessoas, um evento tão sisudo e doloroso) e das discussões que fariam inveja a professores universitários gabaritados, essa classe tinha algo que eu nunca mais deixei dormir - o aprendizado do humano, do perdão, do amadurecimento, da dor, da responsabilidade. Foram eles as testemunhas da minha mudança maior. Do meu fim de relacionamento com o Fernando, tão dolorido. Do meu apaixonar-se pelo Juliano, tão transformador; do meu acidente de carro; dos medos, dos desafios. E da perda deles também.

Engraçado que uma semana antes de ser demitida dessa escola eu havia passado o Sociedade dos Poetas Mortos. A classe, no final do filme disse Olha, a gente sobe na cadeira por você, Thais. Ri. De fato subiram, de outro modo, mas me senti o próprio Sr. Keating ali. Sem pieguices.
Na semana que fui demitida recebi um email de Deus. Ele lamentava a minha saída, mas me disse pra não me preocupar, afinal Deus estava por perto pra ajudar. E para resolver. O Caio me reservou presentes incríveis para 2006. Eu nem imaginava que ele estaria, ainda, tão presente. Pelos seus pais, pela saudade dele. Pelos colegas que vieram me visitar. Pelos recados no orkut e por outros emails.

Deus sublinhou na minha vida e na (curta) trajetória pedagógica, sua marca. Leve, bem-humorada. Feliz. E, claro, bem traquina. Num recado (nada)subliminar de que não adiantava bancar a esperta com ele. Afinal, mesmo ocupado, é Deus.

Saudade Caio, e de todas as epifanias da sua classe.

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buscando e encontrando

Eu tenho falado com Deus. Não sei o que ele é, ou o que é. Tenho falado pouco, bem menos do que antes. Mas acho que as conversas diminuíram porque mudei o modo de vê-lo. Na verdade eu não o vejo mais. Há bastante tempo.

Ainda tenho vontade de sentar com ele pra tomar um café e ter uma daquelas conversas. Mas imagino que, dependendo da conversa, do desdobramento dela, poderia convidá-lo pra tomar um whisky, bem velho (ele deve ter um desses bons!).

Eu tenho percebido essa coisa chamada Deus de outro modo. Tenho, com o passar do tempo desumanizado a sua existência, deixado que ela atinja, de fato, a esfera do mistério. Tenho deixado de entender, de querer explicações pra isso ou pra aquilo. Eu tenho me distanciado. Mas não dele, mas disso. Dessa tentativa infantil, adolescente, quase prepotente de querer, de exigir que ele me dê explicações. Engraçado como eu sempre digo às pessoas que Deus é um cara ocupado e como, de um modo tão arrogante, exijo que ele estejaa à minha disposição. Tem sido revelador.

Muita coisa tem acontecido esse ano. Mudanças dali de fora, daqui de dentro. Das fronteiras. De tantas coisas. Eu nem sei como medir isso, como articular essas renovações. Não tenho conseguido tempo suficiente para olhar pra elas. Nem sei mesmo se vale a pena. TEnho procurado Deus aqui dentro. Ali fora. Tenho ficado atenta aos mistérios das suas aparições.

Às vezes, no meio de uma crise existencial ou de sei lá mais o que (as crises não são todas existenciais? pra que ficar dando nome a elas?) eu chamo Deus pra tirar satisfações. As palavras de ordem giram em torno de coisas como assim? Você não vai fazer nada a respeito Dingníssimo Criador? Onde está a sua Onipotência? Nesse mesmo momento fico imaginando a cara dele. Pera aí, essa mortalzinha desse planeta meia-boca está assim mesmo comigo? Quem ela pensa que é?... Conforme eu mudo as perguntas, o ritmo da respiração, deixo a raiva ir embora, as respostas vão mudando.

De algum modo misterioso ele sempre responde às minha perguntas de modo surpreendente. Muitas vezes ele se cala. Fico minhocando se ele faz isso de birra. Se é o caso de me provocar. Mas aí me lembro que ele é um cara ocupado. Muito. Resolvo ficar no silêncio. E toda vez que aceito o silêncio de Deus, consigo reconhecer o seu mistério atuando. As respostas nunca vêm quando quero, no prazo exigido. Com as assinaturas e cópias autenticadas. Os carimbos são outros. É sempre, surpreendentemente, diferente.

E acho que a graça está aí mesmo. Eu ainda quero chamá-lo pra sair. Será que vai ser um encontro interessante? O que eu poderia perguntar? Ele já sabe de todas, se é mesmo onisciente. Como eu deveria ir? De qualquer jeito. Se temmesmo a ciência de tudo, ora. Que perda de tempo em me arrumar. Ele sabe o que eu tenho de mais feio, de pior. Sabe do horror de mim que cultivo. Nós tomaríamos um chá de camomila, pra acalmar a minha ansiedade? O que Deus tomaria?

Às vezes visualizo um cara velhinho, simpático. Baixinho de tudo, que dá um riso de canto de boca e olha por cima de um óculos com lentes fundas. Será que Deus reagiria assim se lesse isso? Certamente ele leu, mas não percebi a sua reação. Não conversamos sobre isso.

Fico, nos meus devaneios pensando se esse encontro não seria apenas uma experiência contemplativa. Eu adoraria. Sem pensar, sem entender, sem querer. Só sentir. Em silêncio. Mas ainda me falta uma coisa muito primária pra isso: saber esperar.

Enquanto isso não acontece eu faço os meus ensaios de prece - não sei mais como rezar. Afinal ele sabe de tudo o que se passa comigo, sabe o que eu preciso, o que eu desejo. O que me faz sofrer e parar. O que eu digo? Não sei mais repetir o repertório apreendido em anos de religião - católica e espírita. Não sei mais como rezar. Tenho dito isso a ele. Mas não tive resposta. Será que ele também não sabe o que me dizer? Há algo a dizer?

Toda vez que meu coração aperta ou que eu me sinto profundamente solitária. Só, esquecida e perdida, o chamo. Num pedido de socorro muito meu mesmo. Outro dia o convidei pra tomar um chopp num bar à noite. Precisava muito falar, chorar. Mas ele estava ocupado salvando o mundo. Falar com Deus pessoalmente deve ser como namorar o Superman - você não sabe onde ele está quando o chama, mas de repente um outro aparece com roupa esquisita e faz o seu papel. Nessa noite tinha deixado as minhocas dormindo. Deixei elas com o Juliano. Acho que fiz bem pra elas. Não sei se o Juliano tem a mesma sensação - creio que não. Ele, na verdade tem andado muito com as minhocas. Não sei se é uma boa companhia. Ou será que ele simplesmente tem conversado - e descoberto - as dele?

O fato é que Deus não pôde me acompanhar. Fui ao bar com a Fabiana. Tomamos algumas cervejas, falamos de dança, da vida. Da dor e dos medos. Disse a ela como me sentia lúcida nas minhas sensações. Como estava conseguindo trabalhar toda a minha lista (interminável) de desejos de melhora interior. Como eu percebia as coisas acontecendo, saindo de mim. Pra fora. Pro mundo. Ela riu, disse que percebia também. Eu adorei ter tido aquela conversa. Depois quando fui deixar a Fabi em casa (umas 3 da manhã?) voltei ouvindo um jazz especial na Rádio Cultura - é sempre especial essa rádio em momentos existencialistas... - estava meio chateada ainda. O coração doía. Eu não sabia bem como voltar pra casa, como pegar no sono. Parada nos faróis de madrugada, pedi a Deus que me protegesse dos assaltos malucos de SP. Mas ele devia estar ocupado mesmo.

Quando estava chegando na garagem do prédio, senti um calor no coração. Um respirar mais suave. Agradecia a ele naquele momento de ter mandado a Fabiana em seu lugar. Havia perdido a chave de casa, e o Juliano abria a porta já que ele deveria estar abrindo outras portas, em outros lugares. Fui escovar os dentes, e na penumbra do meu rosto no espelho comecei a perceber que há muito tempo ele tem saído comigo. Tem me acompanhado mesmo. E sabe de tudo o que eu preciso, do que me faz sofrer, do que me dá medo. Me dei conta que ele tem uma série de informantes (como qualquer serviço de inteligência) e operadores. Eu os conheço como meus amigos. Os danados contam tudo pra ele. Sem segredos.

Ele bebe qualquer coisa, chá de camomila, suco, cerveja, vodka. E não fica trilili, o que é muito melhor. Conversa de todos os assuntos e sabe me aguentar quando estou um saco de pessoa. Sabe como me abraçar. Quando me telefonar - lá da Alemanha ele tem ligado ultimamente - e que delícia! Sabe quando mandar flores, um bilhete romântico e me presentear com o livro do Caio Abreu (o meu favorito) Pequenas Epifanias. E que manifestação mais concreta da sua existência. Mais sutil, mais articulada e verdadeira. Fazendo com que eu mesma me dê um nó e me perca naquilo que não é essencial. Falta saber esperar mesmo.

Ontem, antes de dormir o sono cansado, doído no corpo e no coração fiquei namorando o Caio Abreu e as suas pequenas e grandes epifanias na minha vida. Não vi o Juliano chegar. Nem o telefone. Nem Deus. Mas dormi com ele. Com um cafuné bem tranquilizador de que os mistérios, por mais que a gente se canse de querer, não têm mesmo explicação. E que um dos seus representantes de primeiro escalão disse, há bastante tempo, buscai e achareis.

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quinta-feira, agosto 24, 2006

espacializando

Esse é certamente um tema que faz parte do meu imaginário desde muito nova. Sempre amei o espaço. Esse mesmo - o escuro com as estrelas brilhantes e os planetinhas minúsculos ao redor.
Meu pai foi o mentor dessa paixão, imagino. Não sei bem se é um padrão, mas quando criança, queria ser astronauta. E das boas, que manjava tudo de matéria e anti-matéria, de viagem no tempo, enfim. Só havia um lugar pra mim nisso. Os filmes de ficção científica.

Meu pai, mais uma vez se encarregou de providenciar o instrumental dessa aventura que até hoje é infinita. Me recordo bem de comprar pra mim livros com imagens do espaço, dos planetas (ele fazia uma "chamada oral" pra saber se eu já tinha decorado todos eles. Sempre acertava. ), de me dizer quais as ciências estavam relacionadas à astronomia. Eram conversas longas, sempre diante da televisão. Ficavam mais filosóficas e reticentes quando o cenário ao fundo era um filme do Jornada nas Estrelas. Eu era apaixonada pelo Spock. Na paixão mais infantil - admirava aquele ser de orelhas pontudas que se debatia entre ser um super cientista cheio de lógicas e um ser humano completamente idiossincrático. Adorava ver as discussões dele com o Dr. Mackoy. Inesquecíveis. Meu pai explicava do que tratavam e eu já conhecia a Física do Jornada nas Estrelas aos 7 anos de idade. Ficava me achando perto dos meus colegas.

Uma vez meu pai foi explciar os movimentos do planeta Terra. Nosso planeta era uma laranja, já descascada. Ele rodou, rodou com ela pra lá, pra cá. Eu acompanhava aquela laranja imaginando que deveria haver ali milhares de microorganismos que não tinham a menor idéia do que ocorria ao redor deles. Nem que movimento faziam, nem diabos onde estavam. Fiquei tonta vendo aquela população toda rodar. Entendi perfeitamente os movimentos da Terra, e a nossa alienação completa do espaço ao redor. Me identifiquei com os bichinhos invisíveis ali. Mas fiquei com medo da minha piração toda depois que vi o meu pai comer o planeta. Afinal, era só uma laranja.

Mas a grande revelação, o grande milagre veio aos 6 anos, quando assisti pela primeira vez o Star Wars. Na Rede Manchete. Nunca esqueci. Meu pai tinha dito vendo uma chamada ah! esse filme tu vai gostar muito! Depois disso virei a clássica fã que assistiu os episódios sei lá quantas vezes, comprou uns bonequinhos, sabe os diálogos decor... enfim. E até apresentou um seminário na faculdade sobre isso. Foi a consagração.

Mas voltando ao tema do espaço. O início do Jornada nas Estrelas é sempre aberto com a fala do Kirk "o espaço, a fronteira final. Essas são as viagens da blablabla"... (eu sei a frase, mas deu preguiça de escrever!). Nunca pensei o espaço como fronteira. Até sentir isso na pele.

Quando escrevi o texto sobre a Clara, minha irmã me dei conta disso. Ele é de fato uma fronteira. Estabelecida por nós, eu creio. Ontem à noite me dei conta disso, imagino. São tantos os espaços que a gente constrói e que constroem pra gente no convívio que, uma vez desatento à essa contrução (nada científica, mas muitas vezes fictícia), somos defrontados com fronteiras alheias. Naturalmente.

Percebi ontem a construção de fronteiras do Nosso. Mas não tinha ainda me dado conta de onde exatamente elas estavam. Algumas tinham arames farpados. Outras eram feitas com cerquinhas mais suaves, parecidas com as do Lego. Outras ainda invisíveis. Outras completamente abertas, sem divisões. Fiquei olhando pra elas todas, numa tentativa (promovida pelas minhocas, certamente!) de mapear as suas linhas e curvas. Não deu.

Depois fui dormir com o coração apertado... eram fronteiras de onde que se expremiam mesmo? Não achei, não podia ver as linhas delas. Mas dormi com isso. Fiquei pensando, pensando. Deixei as minhocas falarem dessa vez. Talvez tivessem razão. Em meio à madrugada ficamos conjecturando sobre as teorias sobre o espaço, o espaço curvo, a geografia que discursa sobre a territorialidade. Enfim... Aí nos demos conta que, numa divagação da física, o tempo não existe mesmo. Só o espaço. E que ele pode se curvar. De dentro pra fora da gente. E o contrário também.

Me lembrava nessa piração coletiva da velocidade da luz do Star Wars, do hiperespaço, da dobra espacial... tantos termos do universo sci-fi que ria com elas revendo isso. Era bem engraçado poder ali, no silêncio completo da noite, remontar as minhas teorias bobas sobre a existência, sobre o universo. Uma das minhocas (essa é, penso, a única de fato bem-humorada) me lembrou do Guia do Mochileiro das Galáxias... essa nossa insignificância tão prepotente no meio do universo... só rindo mesmo. Mas tudo isso pra dizer que eu ficava remontando aqui a minha definição de espaço, tentando dilatar nela, a própria compreensão do meu limite.

Hoje cedo. Depois de um acordar lento, devagar, preguiçoso e ainda apertado o coração, olhei bem para o Juliano. Ele ainda tinha os olhos fechados, aquela cara de soneca gostosa. Olhei o espaço entre a gente, tão pequeno. Olhei o quarto, menor ainda. A nossa casa. Dimensionava a minha astronomia nesse microcosmos tão infinito, caótico. Cheio de possibilidades. E o espaço? Havia possibilidade de espacializar o amor? O querer? A saudade? O desejo? Havia como estabelecer uma fronteira demarcando os limites? Onde eles estão aqui. O Juliano procurou depois, no café da manhão, contemporizando a minha conferência minhoquenta da Frota Estrelar. Não sei se ele achou alguma coisa. Mas eu achei um espaço, aqui, no Nosso, que só dilata, amplia, infinita tudo. De dentro pra fora. E dele pra mim.

Acho que ainda vou continuar vendo os meus filmes, repetindo o Mestre Yoda, sem me preocupar com a pedra, com a nave, com o tamanho e o lugar das coisas. Afinal, tudo depende mesmo do referencial.

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quarta-feira, agosto 23, 2006

clareando


Esses dias todos eu tenho pensado na minha irmã. Clara. O nome dela diz muito. Dela. Temos alguns anos de diferença e sempre o status de mais velha me rondou.
Nunca tivemos uma relação convencional de irmãos, ao menos no conceito da minha mãe. Brigamos muito (ainda), mesmo depois de eu ter saído de casa.

Esse episódio, aliás, merecia alguns escritos aqui. Desde o ano passado, quando compramos o apartamento a questão do dia era sempre porque eu AINDA estava morando lá. Ora, afinal o quarto (já) era pequeno demais para nós duas. Há tempos, desde 1985, talvez. As disputas eram (excessivamente) calorosamente femininas. Na pauta do dia estavam roupas (claro!), arrumação do quarto - incluindo livros, etc... - e, para não deixar de mencionar, o fuso horário. A luz do abajour não poderia, de modo algum, ficar acesa quando a outra dormia.

Mesmo com a pauta desenvolvida e aprofundada eu me sentia às vezes em meio ao conflito do Oriente Médio... quando tudo parecia se tranquilizar, quando os processos diplomáticos (mau)bem sucedidos se concretizavam... é. Um novo ataque terrorista se configurava: elemento surpresa, barulhento, violento e mesmo (talvez) irreparável. Enfim. Causas do conflito: os dois lados estavam certos, e nenhum tinha razão.

O momento mais (tragi-)cômico foi no carnaval desse ano. Me mudava pra minha nova casa, com uma mudança homeopática, de conta-gotas. Para que os efeitos colaterais não fossem tão fortes. Quando finalmente encaixotei as minhas roupas (será essa a causa verdadeira, então?) e apetrechos (o abajour eu já havia levado embora!) ouço o seguinte comentário da digníssima, entrando no (ex-nosso) quarto: como assim? o que é isso? Estranhei a pergunta e respondi, num tom "ONU" que aquela era a minha mudança. Mas QUANDO você vai embora? Hoje.

Recordo bem que ela se virou, daquele jeito que só ela faz, puramente indignada, teatral, performática. Com um cabide velho nas mãos. Minha mãe fez um sorriso de canto de boca e olhava por cima do nariz. Já tinha entendido o código: como assim pergunto eu! Foi só isso pra (re)iniciar o conflito... nem sei de que canto do mundo mais. Uns dois gritos de indignação e a frase do ano: mas você não pode ir embora assim, sem mais nem menos. afinal, eu preciso me preparar para esse momento de despedida, de rompimento. Uma irmã não sai assim de casa. Demorei para absorver o texto shakespereano. Shakespeare é difícil mesmo... O intrigante ali foi o assim. Como assim? Minha mãe riu. Esse era portanto um sinal amigo de que aquilo ali era pura cena?

Não exatamente. Quando pensei em rir também - estava chocada! - a Clara desmonta num choro super incontido, verdadeiro. Paralisei.
Ok, Thais, não se preocupe, isso vai passar, ela está frágil e cansada. Não se acanhe pelo choro. Ok.

Estava quase nesse ponto. Mas o sinal amigo da minha mãe havia se transformado em um chorinho discreto, tímido. Meus "oks" perderam a utilidade. Como assim era a palavra de ordem!

Tentei em meio àquela convulsão feminina de troianas chorosas me centrar. Não havia motivo para isso. Ora, a Clara passou pelo menos 3 meses me expulsando de casa. Ela não deveria comemorar? dar uma festinha de (re)inauguração de quarto? O MQI (Movimento do Quarto Independente) havia vencido. Uma rendição, sem luta. Sem pautas.

Mas foi aí que a Clara exerceu seu poder dissimulado na indignação... As coisas, de fato, se clarearam... Não se tratava de disputas, de movimentos. Era o desmascarar mais terno. Frágil. Uma outra rendição. Um atestado de irmandade. Fraternidade, melhor dizendo...

E ali, no meio do choro (meu e dela) as cortinas de lágrimas revelaram o que a gente tinha de mais bonito - a cumplicidade. Essa se dá sempre no silêncio. Na ausência mais presente.

Minha irmã sempre clareia as minhas limitações. Mostra as feridas mais escondidas do meu orgulho, do meu egoísmo. Sempre aponta, com maestria, os meus defeitos (ninguém conseguiu essa precisão cirúrgica ainda). De certo modo acho que dou essa mesma contribuição pra ela.

No dia dos pais, fizemos um pic-nic com a família. Eu estava particularmente nostálgica dessa convivência super familiar. É bom sentir saudade disso. Eu observava todos ali, cumprindo uma profecia de estranheza e estranhamentos... quase antropológica.

E é claro que o conflito com a Clarisbela apareceu (eu a chamo assim quando me refiro à nossa intimidade). Motivo:
1 - dicionário de inglês recalcado na insistência milenar dela. Há meses não liga pra mim, mas fez as pazes com o Super 15 pedindo o dicionário.
2 - nem me lembro o que...

É isso, ela revela a minha limitação de aguentá-la. Por que? Porque somos profundamente (cúmplices) parecidas.

Mas eu me pergunto agora porque mesmo eu escrevo sobre a Clara. Ontem, numa sessão romântica de leituras de poemas, Juliano desentocou um do Vinícius (de Morais) sobre o Manuel Bandeira. O termo: áspero irmão me trouxe a Clara. Sem pestanejar.

Por que?

Ora, óbvio. Uma presença áspera, que te rala todo se você for desprevenido. Esse misto de admiração, inveja, amor, saudade, cuidado, disputa, desejo de liberdade. Coisas que só a Clara faz por você. Sem mastercard (mas cuidado se tiver um!). Só clareia quem você realmente é... com aquelas canções expressas na sua voz mais linda que qualquer uma outra dessas famosas. Ela me basta. Energética. Incontrolável. Musicou a minha vida pra sempre. Sinto saudade do barulho que ela fazia desde o elevador, anunciando os sinais da sua chegada (sempre) triunfal. Retumbante.

Tenho saudade do conflito. Do medo, da raiva e do arrependimento que o coração trazia. Sinto falta do riso dela - mesmo depois da cirurgia da voz. Das coisas porcas que ela fazia pra me irritar e tirar um barato. Saudade dela ocupando sempre (SEMPRE) o telefone e o computador. Das birras. Das exigências. Das reclamações e do sentimento de injustiça que só ela tem. Saudade das coisas feias que ela me dizia - e que ainda doem aqui no canto -, das vezes que eu abria a porta e a surpreendia com as minhas roupas. Puta merda!

Saudade da luz dela. Da manha. Da gente. Dos pedidos tímidos de desculpa e dos choros contidos quando os tapas atravessavam a nossa armadura orgulhosa. Dos emails apaixonados. Saudade de ser clara por dentro, com ela.

Mas essa distante convivência vem clareando essas claridades, difíceis de se ver, pelo ofuscar das obviedades.

Te amo, claro. Clara.

T

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sexta-feira, agosto 18, 2006

ultimato

Essa semana, depois de todo inferno astral e tudo o que eu tinha direito encontrei o chefe dele.
Não era uma minhoca, nem muitas. Nem sei que ser era esse. Mas sei do que ele é formado. Um demônio (no sentido grego mesmo, não o capetinha vermelho e chifrudo) repleto desses sentimentos estranhos e esquisitos que a gente teme.

Nem vou me dar ao trabalho de explicá-lo, descrevê-lo. Enfrentei-o. A luta ainda não acabou. Mas foi erguida uma bandeira de finalizações. Não foi de trégua, mas sinalizava a exaustão completa das tropas. Acho que estou pensando em mudar de estratégia. Um abraço? um chamego e ele se assenta? Ou uma bitoquinha marota no nariz?
Não sei. Quem sabe um exorcismo daqueles! Ou nada disso e só o profundo (e mortal) ignorar. Os egípcios quando queriam destruir alguém o faziam bem: no mundo dos vivos e dos mortos, para que nunca mais pudesse voltar. O nome era então apagado e a inexistência anunciada pelo esquecimento, pelo desaparecer na matéria, pelo vento que levava a memória pra sempre, para o nada.

O Juliano (de novo) esteve na infantaria, machucada e cansada dessas batalhas epopéicas, nada heróicas. A distância dos soldados estava ali, aparecendo em meio à fuligem. Eu me engasguei com a fumaça toda. Meus olhos arderam e fiquei cega, me desesperei por achar que estava perdendo a batalha. Uma vez ouvi num filme: "o que um guerreiro faz quando perde a grande batalha? conquista pequenas batalhas." Fiquei pensando qual era o tamanho da batalha. Depois percebi que no meio da luta, essa é de fato a última coisa que você vai se preocupar. Pelo menos, uma guerreira em treinamento, em formação. Sem heroísmos. E me larguei dos estratagemas cerebrais fracassados.

Perdi a noção do tempo, do espaço, das palavras. Entrei em curto com a cabeça. Ela silenciou, na sua loucura devoradoram me comia com aqueles dentes de presa assassina. Perdi o corpo.

E quase foi tarde demais... recebi um ultimato. Um chamar de lucidez, de controle, de ciência do amor. Da paz que eu não tinha. E enquanto a fuligem sumia e eu tentava respirar de novo, via, lá longe, o Juliano. Só, esperando. Curvado depois de lutar com o chefe do pesadelo. E eu prostrada. sem forças, cheia de culpa por deixá-lo. Era uma visão de finalmentes, embora eu não soubesse ainda o que estava, de fato, terminando. Nada parecia fazer sentido. A cabeça tinha parado, com todos os meus demais sentidos juntos. Paralisia cerebral aguda, machucando o restante do corpo amortecido. Eu não podia mais chamar o Juliano. Ele não ouvia. Gritava daqui. Nada. Tentava esboçar um gesto, uma expressão. Ele estava longe demais pra perceber. E o demônio ali. Prostrado como eu, mais forte, maior. Mas também exausto.

Consegui despertar o corpo abrindo as cortinas de lágrimas, transparentes, que deixaram o verdadeiro ressurgir, lavaram a poeira da fuligem, tiraram aquele cheiro de putrefação do meu corpo. L(a)evaram os cadáveres de outros corpos de mulheres fantasmas pra longe. Sem Elísio. Eu não via mais ninguém ali. Nada, nem mesmo o demônio e seus comparsas. Só o Juliano. De novo, me esperando, cansado.

Fui até ele. Percebi que ele não havia saído do lugar na esperança de que eu pudesse voltar. Ele queria isso. Mas não podia se desparalizar por mim. Esperou. Estendeu os braços e me deu a mão. Só o dedinho da mão esquerda. Eu, sem forças, estendi o meu. E os dedinhos ali selaram um acordo de armistício dos sonhos. Não havia mais sons, ruídos. Nem fumaça. O sol saía tímido buscando seu lugar nos nossos corpos, até cuidando de se certificar que só havia mesmo nós dois ali. E havia. Ficamos nos olhando ali. Quietinhos com os dedinhos entrelaçados. Sentia o restante do corpo respondendo ao chamado dos olhinhos pequenos. Ganhei um beijo adocicado com o "eu te amo" que só ele sabe dizer.

E voltamos pra casa, depois do pesadelo, depois da fumaça e dos engasgos. Depois de deixar o campo de batalha no passado, querendo outras paisagens no futuro. Mudei a pontuação embora a caneta quase tenha escorregado no ponto final, querendo ser uma vírgula sem graça e traiçoeira pra história continuar. Eu ainda faço força com a mão. Seguro com todos os dedos suados - em cima do meu calo mesmo - a caneta firme. Foi o ultimato. O fim. Pedi ajuda das mãos dele pra me ajudar nessa pontuação. É inscrustrar o papel com ele, como uma adaga, matando de vez a página, sepultando tudo o que não importa. Para começar a escrever com suavidade, em outro papel, uma outra história de caminhares. Acompanhados e de mãos dadas. Com todos os dedos abraçados no corpo.

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quarta-feira, agosto 16, 2006

Nelsinho

Tenho reencontrado alguns amigos de muito tempo. É inevitável que se tenha um sentimento nostálgico (pelo menos eu tenho) em relação a essas coisas. Outro dia me peguei olhando fotos, antigas, de criança ainda, com o coração apertado. Ri. meio cafona, talvez.

O fato é que neste último final de semana eu pude ver um muito especial - o Nelsinho. Eu adoraria poder falar dele com propriedade suficiente para se dar uma mínima noção do que é este homem. Eu o conheci há quase 14 anos, morava ainda em Santo Amaro e a sua aparição (o termo é esse mesmo) na minha vida se deu pela minha mãe. Mãe tem esse poder de trazer milagres na vida da gente.

Pois bem, eu era ainda uma menina e ele tem a idade da minha mãe. Chata, super ansiosa (isso mudou bem pouco) e adorava falar (acho que isso também não mudou...) e aquela figura ali, silenciosa e com um olhar atravessador encontraram a Thais que eu procurava.

Os primeiros anos de amizade e convivência despertaram um sentimento profundo de amor, admiração. Não pelo fato dele ser deficiente físico e artista plástico - essa combinação, além do item espiritual, podem ser facilmente apelativos. O ponto do Nelsinho sempre foi, pra mim, como ele conciliava o furacão interior com a limitação do corpo. Sempre que eu vou lá - até hoje - me pergunto como é possível essa conciliação, dolorosa, impiedosa com os achismos da gente. Eu nunca consegui essa conciliação. Sempre me achava num corpo limitado, com cabeça limitada a tudo aquilo que eu desejo ter, conhecer.

A solidão sempre foi um outro ponto forte da gente. Não uma solidão dos amigos - embora ele fique muito tempo sem ver as pessoas justamente por não poder mais sair de casa... Mas falo dessa solidão aqui, quietinha, miúda, que parece casquinha de ferida. De repente batia aquele silêncio, o vazio. Um lamentar pelas coisas estarem assim, não do jeito que eu (pretenciosamente) queria. Acho que o único amigo que de fato entendeu isso, ou melhor, foi meu cúmplice, foi o Nelsinho. Eu não precisava explicar nada pra ele, nem descrever, nem dizer como me sentia. Ele sabia. Sempre soube. De saudades, de coisas que passaram, que vão se passar, que nunca vão passar. E daquelas que estão passando...

Sempre saio de lá com medo que seja a última vez que o veja. Eu não consigo me organizar pra vê-lo mais durante o ano. Mora longe. As visitas a ele nunca são visitinhas. São eventos, conferências, congressos, festas nacionais. É um feriado em mim. Um ritual que adoraria ter mais.

Os telefonemas são do mesmo jeito. Nunca liguei pra ele pra dizer "oi, tudo bem? queria saber como você está" Isso definitivamente não funciona. Recordo de uma época em que nos falávamos toda a 5a. feira. Sempre chegava atrasada no ballet. Sempre. Até um dia que a minha professora brincou comigo dizendo "hmmm, tem homem no meio dessa história"; e de fato tinha. Ri muito em sinal (confesso) de consentimento. Daria trabalho demais pra explicar.

Estive lá esses dias. Impressionante como a permanência ao lado dele é uma experiência atemporal. Não vejo o mundo de fora, sol, lua, frio, calor. O restante parece silenciar nesse encontro milenar. Sinto saudades dele. Mas é uma saudade engraçada, diferente, alimentada com uma distância quase cultivada pela simples impossibilidade de uma amizade cotidiana, superficial.

Eu não sei quando vou vê-lo de novo. Nem sei quando a gente vai se telefonar. Pode ser qualquer dia, qualquer hora. Pode ser sempre. É o tempo todo.

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terça-feira, agosto 08, 2006

terapeutizando

Charles Casemiro, meu professor de literatura do ginásio, escreveu pra mim outro dia falando que hoje em dia se fazem todas as pias possíveis: terapia, fisioterapia, etc.

Hoje eu passei o dia procurando a minha pia. Qualquer uma que servisse pra escarrar as coisas azedas da alma. Não achei; trabalho da minhocas talvez... lá pelas tantas usei o telelfone mesmo: liguei pra terapeuta. Que remédio!

O Julio Aquino, meu professor da F. Educação disse repetidamente "não façam análise, os psicólogos são chatos. E doidos". Verdade seja dita, acho difícil não ser psicólogo então, a quantidade de chatos e doidos no mundo aumenta consideravelmente nos últimos anos. Exponencialmente.

Esses dois personagens na minha vida - o Julio e o Charles - tem coisas muito antagônicas, mas complementares. Charles era o sonho, a realização do impossível na minha mente adolescente (até hoje quando falo com ele me sinto assim, como se não tivesse crescido, ou talvez eu tenha cristalizado as imagens da época?); O Julio, a materialização, concretíssima do possível, do real, no impossível. Foram - e ainda são - uma inspiração constante, silenciosa. Muito diferente do Ulpiano, por exemplo, que me inspira intelectualmente, apenas. De outro modo ele me traz coisas mais metodológicas: como ler, como não ensinar....

Ontem foi feita uma homenagem a ele - o Ulpiano - no Dpto de História. 70 anos vividos, uns 40 e algo dedicados à academia. Eu quis ir. Pensei mesmo; mas era rodízio do carro. (ou essa é uma desculpa convincente pra mim mesma? hmmm...) Uma despedida, escreveu o João. Acho que me despedi do Ulpiano na última vez que passei na sala dele. Há quase um ano. Foi uma despedida breve, meio em tom de ironia (como qualquer conversa com ele), mas desarmada. Eu tinha lançado todas as minhas fichas, menos uma, talvez a mais importante. Estar disponível a perder. A desistir. Isso nunca foi parte da Thais. Mas não se trata de desistir da academia, muito menos da pesquisa, ou do tema (sugerido por ele...) mas dele em si. Eu não queria mais ficar lutando pra estudar, ao contrário, queria sair da situação de entrevistadora de livros. De fato o Ulpiano contribuiu demais pra isso. Eu aprendi a ler academicamente falando com ele. Mas cansei de ser sempre entrevistada por ele. Eu queria poder acreditar que podia, sem ele. E foi exatamente aí que a despedida se deu... uma resposta ríspida dele (as usual) curta, direta, mas que atingiu o alvo da segurança intelectual - ele me deu a coragem de ver a Thais como a Thais ainda não tinha tido de se ver: livre, independente.

Isso tem feito nos últimos dias com que eu resgatasse a minha relação com os meus professores. Eu fui apaixonada por muitos deles. Não essa paixão de aluno e professor, de idealizações carnais. Mas a do conhecimento da vida e das coisas que eles pareciam possuir. Me lembro agora de um texto do Gibran que fala dos mestres - não se pode entregar as estrelas e tal, mas pode se ensinar a buscá-las, uma coisa assim. Independentemente da poesia e da sabedoria do Gibran, vou ser mais modesta. O meu amor por eles vinha daquilo que eu gostaria de ter, não de ser. Poderia elencar aqui uma lista de desejos, de presentinhos que achei que poderia ganhar deles, diretamente, sem intermediários n(d)a vida. Enganei-me.

Me recordo do Charles no primeiro dia que o vi no Paralelo. Eu era aluna da 6a série (não lembro a letra...) e ele entrou para substituir um outro professor que tinha faltado (sei lá quem era...). Entrou na sala. Aqueles cabelos bem negros e espessos, distibuídos em ondas. Um avental branco, limpinho de tudo, a exceção da marca de gis dos dedos nos botões de cima, meio codificado o seu jeito certinho de se apresentar. Entrou com passos apressados, escondendo a timidez dele. Virou pra sala. Óculos pretos, grossos. Lente forte, parecia. E ali, bem atrás daquele vidro todo, aqueles olhos. Um verde tão profundo, camuflado pelo apertadinho dos olhos que ele tem. Era como se a terra silenciasse. A classe, sempre super bagunceira, emudeceu. Ele cantou. Milton Nascimento, me lembro (um dos meus favoritos) mas esqueci a música. Não importava ali. Era só aquele par de olhos, e aquela voz cantando suave, profunda, meio dando soneca naquela manhã. Mas fiquei estranhamente acordada. Pra sempre.

Ano seguinte ele se tornou meu professor. Eu me encantava. Queria que ele me notasse. Eu adorava ler e escrever. Será que ele percebia? Era um jeito todo meu de continuar acreditando no sonho que os homens, em algum momento da idade (definitivamente não era a que eu convivia mais diretamente) poderiam falar de outras coisas que não sexo e futebol (confesso que hoje isso ainda não se modificou, talvez o critério não seja a idade, de fato). Ele adorava ler, cantava, escrevia e mais do que isso, me apostava fichas de ser especial. A minha carência adolescente de fato não negligenciou isso, ao contrário. E tudo ficava sempre na questão dos olhos dele. Depois saí da escola, mantivemos contato. Lembro que escrevia pra ele umas cartas tão minhas! Minha mãe avisava "cuida, de repente ele acha que você está apaixonada por ele. Ele é casado. A mulher dele pode sentir siúmes". Mas não era isso. Eu gostava da Ieda. Demais. Não tinha essa coisa de ciúmes.

Anos depois eu reencontrei com ele pessoalmente (ainda nos vimos poucas vezes porque ia à escola fazer umas visitas). Ele estava diferente, dava aula em um cursinho. Mais velho. Mais sério, até mais irônico. Mas os olhos não mudavam. Era como se ele pudesse (ou quisesse, pelo menos) se esconder de alguma coisa. O filho dele nasceu. Lindo. Com muitas complicações. Lembro que nessa época eu conheci o Rodrigo, um amigo meu muito amado, amigo do Charles também. Ficamos por perto, demos uma força. Eu queria poder fazer mais do que dar uma força. Era estranho, como se as preces não bastassem. (sempre tive as minhas questões com Deus)

Passaram-se muitos anos e perdemos o contato de novo. Início desse ano me deu uma saudade absurda. Eu queria contar do meu casamento. Queria vê-lo. Mas as respostas dos emails foram tão curtinhas. Quase monossilábicas. Tentei de novo. Parei. Mas fico aqui com os olhos dele na memória. Como seu eu ainda quisesse enxergar através deles. Muito embora tudo o que tenha visto ali foi eu mesma.

O Julio Aquino, meu outro mestre, despertou uma paixão diferente. De fato muito distinta. Tmbém lembro da primeira conversa com ele - nada doce, pra citar o Caio. Nada mesmo. Imaginem, eu cheguei no curso, na terceira aula, sem os trabalhos, mais perdida que cego em tiroteio, botando a banca de intelectual, quase historiadora. Um ohar de cima, à lá se situa menina! só do Júlio...

Eu andava nesse período formalizando a minha relação com as minhocas. A gente estava deixando de ficar pra de fato cair em algo mais sério - um namoro oficial (me preocupa se a gente resolver se casar...) Era fim de curso, eu mais perdida em mim através da academia e dos meus anseios (pseudo?)intelectuais. E o Julio me apresentou o ensinar. De fato não é o ensino. Isso não é um substantivo. É um verbo, transitivo direto e indireto. Já falei dele antes aqui. Eu queria ensinar como ele. Era uma espécie de Charles saído da adolescência (da minha, evidentemente). Ele lia Clarice, Caio Abreu, Manuel Bandeira. Um repertório muito semelhante ao do Charles, mas sarcástico. Tirava uma onda da minha roupitia (corpórea) de intelectual. Adorava. Enquanto o Charles me construía, o Julio me despia. Era divertido pensar nesse binômio entre os dois.

O Ulpiano foi um mestre samurai, como dizia ao Vinícius. Me lembro da primeira vez que o vi, mas não da sua primeira aula. Ele é um misto de Gepeto, com Bethoveen, mais uma pitada de Albert Einstein. Gordinho. Com uma voz linda e aqueles cabelos desajeitados! Ele olhava por cima dos óculos quando ficava indignado com a nossa mortal ignorância, com o sutil O que?!!! que só ele falava. Era mais forte (por fora) e amedrontador do que os outros. Mas muito mais frágil no seu pedestal. Só que eu não via o pedestal. Só ele. Erguia e esticava o pescoço pra ver aquele céu de erudição. Grécia, grego, Roma, latim. Ele era de fato a materialização de um acúmulo de experiências cerebrais (as minhocas são as maiores fãs do Ulpiano!). Eu me apaixonei também. Mas de modo assustador. Tinha medo desse amor. Ele me colocava excessivamente exposta à minha ignorância - e eu me culpava por isso. Me lembro numa reunião em que ele me disse "olha, eu tenho de carreira o que você não tem de idade" e ficava trovando as suas idéias, conceitos, dores e alegrias. Eu adorava falar com ele.

Há um outro professor que merece uma menção bem especial - o Sidney Rodrigues - o Sidão, professor de redação. Ele me deu oportunidade de fazer umas entrevistas com Deus, mas isso merece outra história. Complementou enormemente o processo de dilatação como ele gostava de dizer.

Mas eu começava falando de terapias. Esses três mestres foram importantes professorapias pra mim. Me ajudaram a ter (de volta) uma Thais que parecia perdida no meio das entrevistas de livros. Como disse, eu parei de fazer entrevistas. Fui buscar a minha própria biblioteca interior, muito na onda da frustração oferecida por eles. E o Julio dizia, só a frustração promovida pelo professor é capaz de oferecer caminhos de descoberta ao aluno. Sou grata. Me ajudaram a entrar no meu próprio trem, com bagagem própria.

E fico olhando a janela, lá pra trás, meio nostálgica, vendo as coisas ficarem pequeninas na memória da visão, dando uma dorzinha no peito, com saudades de todos eles.

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passeando de trem

O Juliano ontem, no metrô, dizia que preferia os texto que não explicassem tanto, mas que convidassem o leitor a fazer um passeio de trem. Comigo. Em mim.

Curioso como essa imagem ficou no meu coração, mesmo depois de toda a história com as minhocas. Me dei conta agora que nunca levei as minhocas pra passear em mim. Só de carro aquela noite. Acho que ninguém nunca passeou por mim. Somente o Juliano. Ele conhece as bocadas mais escondidas da Thais, aquelas que eu mesma nem faço idéia de como chegar lá.

Mesmo cansado ele continua mostrando os caminhos da Thais. É curioso como ele faz isso sem perceber. Ele revela, silencia o tumulto daqui. Lembro que há dois anos atrás quando nos conhecemos ele me convidou um dia pra fazer um passeio de trem. Foi em finais de junho, começo de julho, não me lembro da data certa, mas ainda tenho o email. Nem fomos, pois viajamos com o Flavio ao Vale dos Lagos. Uma delícia de passeio. De certo modo, acho que o passeio de trem começou ali, bem devagarinho ainda. Depois de um tempo, quando finalmente ficamos juntos, namoramos, noivamos, casamos, o trem oscilou nas velocidades, nas curvas, nas subidas e nas descidas. Ainda estamos vagando nele. Mudamos de cabine, esquentamos as fornalhas. Por vezes ficamos quietinhos ouvindo os apitos dele e observando as fumaças se espalhando no céu...

A viagem, sinto, mal começou. Ela foi bem turbulenta nos últimos kilômetros, mas tem prosseguido com a vontade dos passageiros. Mesmo cansados. Mudamos de lugar, de posição nos bancos, que nem sempre são acolchoados e confortáveis. Ficamos conversando, vemos TV, ouvimos música. Economizamos no serviço de bordo. Esses dias nossa cabine ganhou cortinas. Foi muito bom porque entrava muita luz no vagão, esquentava nos dias quentes. Passo o dia olhando as cortinas e pensando como aquela transparência branca permite o ar circular, o cheiro do mundo entrar aqui no nosso mundinho. E que a gente pode dormir e ficar o tempo todo de janelas abertas pro mundo. Isso inclui o coração. Acho que o Juliano tem mostrado nesses passeios recentes que eu preciso colocar cortinas em mim. Não pra esconder, mas para arejar, deixar a luz entrar calmamente, sem agressão, o ar ventilar e espantar as minhocas. Talvez seja aí o ponto das minhocas: nem luz demais para elas não cavarem mais fundo, nem de menos para não se alastrarem. Moderação.

O Juliano tem trazido lembrancinhas de presente nas estações que paramos. A mais preciosa delas é a paciência. Até de saber esperar ele voltar com ela. Eu tenho guardado ela aqui, bem no interior da cabine. Tenho mostrado ela pras pessoas que vejo na janela durante a viagem. Tenho colocado ela pra enfeitar a cabine. Ela é ótima pra fazer o coração dormir. Nunca pensei de ganhar isso do Juliano nesses passeios.

Ele tem trazido diversas coisas, como eu disse, mas o passeio pela Thais é a melhor viagem que eu poderia ter feito, mesmo sem nunca ter saído do país. É uma viagem profunda, no tempo. E pelo espaço. Cheio de coisas por descobrir, por experimentar. E seria entediante (e mesmo impossível) fazer isso sozinha. Sou grata.

E entendo o cansaço dele. Ser guia turístico não é trabalho tranquilo, fácil. Exige, ainda mais se o passageiro é exigente em si e consigo mesmo. Está acostumado a viajar por superfícies, sem obstáculos e em cadeirinhas almofadadas. Mas quero continuar a viagem, com ele. Vendo estrelas de madrugada e sentindo o ar entrar pelas cortinas, safadinho, de manhã cedo, de mãos dadas com a luz do sol. Despertando com a ternura das transparências, dos beijos, dos mimos, que, mais uma vez, só o amor pode dar.

E o caminho? os trilhos? putz... eu acho que viajamos sem mapa. Que delícia...

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(des)filando

As minhocas de novo.
Esse fim de semana elas até que se comportaram bem, com exceção de sexta-feira. Elas me cansam demais. Sábado aprontaram de novo e eu fiquei com aquela cara de idiota pra mim mesma pensando que mais uma vez elas tiveram a chance delas. Droga!

Não tem sido fácil. Especialmente porque as minhocas revelam a minha enorme insegurança diante da vida. Brincam com isso o tempo todo e fazem confirmar as suas profecias. Dá medo mesmo. Não é pela aparência gosmenta, suja e feia delas (embora isso contribua!), mas talvez o fato delas não terem rosto. Isso sim mata. E nem sei quem são as minhas (ini)amigas... dificultando um bocado a minha batalha diária com elas. O pior é que elas se travestem de tudo, dos mais próximos e amados, aos mais distantes, longínquos, indiferentes, desconhecidos.

Ontem à noite, depois de levar as minhocas ao centro espírita e passar o dia com elas me dei conta que essa talvez seja uma batalha perdida. A questão é que elas se movem o tempo todo em mim. Isso incomoda. Assusta. Está absolutamente fora de controle. Enfim...

Mas dizia do meu dia com elas. De fato elas mostraram uma utilidade e tanto ontem. Companheiras de fila. Eu detesto filas, qualquer uma. Fui ao cartório e ao banco, lugares clássicos de filas. Normalmente as pessoas estão com aquela cara de "estou na fila". Essa cara é indescritível pelos adjetivos tradicionais. Não se denomina. Algumas pessoas liam, outras reclamavam, brigavam, algumas outras dançavam com os seus fones da moda nos ouvidos (um amigo meu dizia outro dia que depois do Ipod, os fones de ouvido tinham entrado na moda, eram todos branquinhos... - um jeito semi-discreto de dizer que você tem um, embora de fato talvez não tenha). Estava quase com essa cara de fila e aí me dei conta, surpreendida, que todos ali tinham minhocas. Elas foram timidamente saindo do escurinho dos cabelos, dos ouvidos, dos olhos... dos fones de ouvido (essas eram ao menos mais dançantes)... Meu Deus!! Eu não pude me conter!! Só dava eu abrindo um sorriso na fila (na certa ninguém entendeu nada, afinal fila não é um lugar de riso!)

As minhocas começaram a sair dos seus esconderijos e eu via todas. Até os atendentes tinham as suas. As minhas ficaram particularmente orgulhosas porque eu tinha enfim, percebido que a humanidade das filas era povoada por minhocas alheias. Foi mágico. Elas esboçavam na sua ausência de rosto, um pequeno sorriso de gratidão. Retribuía. As minhas minhocas ficaram super agradecidas, afinal eu tinha trazido as suas companheiras pra fora , ou melhor, percebi que elas não eram exclusividade minha (afinal, não mereço tanto assim, elas diziam). O mais estranho naquele momento é que eu senti, mais uma vez, pena delas. Eu não sei explicar bem como é isso. Se é pena mesmo, afinal elas estão sozinhas cons(m)igo mesmas. Não me recordo nas nossas conversas delas mencionarem vizinhos, colegas de quarto, parentes, etc. Por outro lado, ficam sempre na cola dos seus hospedeiros. Não sei se elas chegam a ser parasitas. Não é bem isso. Ontem à noite o Juliano, me dizendo sobre um texto que tinha escrito aqui, repetia que prefere quando eu não tento explicar as coisas demais, resolver o mundo, etc. Às vezes sinto que essa é uma condição minha, de existência, não de escolha.

Mas voltando às minhoca(çõe)s. Eu dizia das filas. Da espera. De fato as minhocas são as grandes companheiras de espera. Não sei se dos demais, mas minhas certamente. Elas ficam sussurrando pra não deixar o silêncio tomar conta. Imagno que elas pensam que tenho medo do vazio. Eu tenho sim, mas nunca o experimentei. Elas nunca deixaram. Me enchem a cabeça de imagens que só elas podem criar. Acho que são inimigas do Sandman. Elas destroem todas as minhas construções bonitas de sonhos, os subsituem por ruínas, escombros. Gente morta. Por que isso? Por que elas são tão amargas assim? Algum sentimento de vingança comigo?

Em homenagem ao Juliano não vou ficar explicando. Nem tentando.

Levei as minhocas para tomar um passe depois, mais à noite. Acho que elas ficaram fragilizadas por essa energia. Não tem sido fácil lidar com elas. Não é à toa que o Juliano está cansado. Não mesmo. Eu não aguento mais. Elas reagiram ontem. De forma humilde. Ao menos deixaram que eu colocasse exposta a minha insegurança pela presença delas. Mas isso parece assustar ainda mais os que me rodeiam? Será que é porque percebem que eu não dou conta delas sozinha? Que eu tenho medo? Vou tentar não explicar...

Eu só queria descobrir um anestésico. Algo que as deixassem dormir um pouco para que eu pudesse falar mais com o meu coração. Às vezes sinto que elas já tomam conta dali. Dói. Sufoca. E eu não sei mais como agir. Algumas vezes sinto que a anestesiada sou eu, vendo um monte delas desfilando na minha frente, enquanto eu olho, parada, com a cara de fila deixando que elas falem por mim. Vivam por mim. E até sintam por mim.

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