segunda-feira, dezembro 18, 2006

saindo pus


Eu tenho observado as flutuações emocionais da srta T. De alegrinha a existencialista. Constantemente. Eu nem sabia direito como começar a escrever hoje, exceto pelas coceiras dos dedos no teclado.

Pois bem, eu (novamente) esbarrei no Caio, o Abreu. Hoje (re)li o Diante do Mar Aberto. Eu sempre me arrepio com esse texto. Com a brisa do mar aberto fria cortando a pele. Sou capaz até de sentir a areia nos ouvidos e por entre os dedos do pé. Me encolho quando leio. Esse foi o primeiro texto que o Juliano leu pra mim. Isso lá, bem atrás, nos idos de agosto de 2004. Eu nunca me esqueci. Do jeito, dos lábios se movendo. Da respiração ansiosa dele naquela meia luz. Do frio que fazia naquela noite. E de mim, no abismo ali, à beira dele. Querendo e não podendo pular. O mar. O peito. Aberto. O que vou contar aqui é um pouco da sensação estonteante de não se ter qualquer controle - e mesmo ciência - do que é esse mar aberto. Da direção para onde vamos pular. E do medo que temos quando já pulamos. E o chão parece esquisito demais para o que nossos pés - egoisticamente - estão acostumados.


Nesses dias tranquilos no meu coração eu me deparei com uma minhoca perdida na minha casa. Achei que ela já era animal doméstico. Já tinha me acostumado com a convivência (incômoda) dela. Com a sua insistência. Eu até que queria dizer o nome dela aqui, mas ia pegar mal. Confesso que somente ontem eu me dei conta que foi ela quem me tragou quando pulei.

O fato é que a danadinha me causou uma infecção profunda nas entranhas. Por essa convivência infeliz e ignorante da minha parte. Doía, mas eu nunca achava direito onde. Sabia da existência dela constante (e incômoda) em mim. Sentia ela se mexer, fazia cócegas algumas vezes. Mas sabia que era uma traiçoeira. Danada.

Eu a trouxe ao (meu) mundo depois de dar voz às suas amigas e ceder ao que a mulher pode ter de pior - a curiosidade. Fuxicar nas coisas alheias - ainda mais na do ser amado - pode trazer traumas profundos. Insolúveis. E foi aí, exatamente aí que a danadinha (e incômoda) surgiu. Cretinices minhas à parte (embora grandes) eu tive essa companheirinha, M, comigo esses meses todos. Todos os dias, minutos em que eu parecia respirar mais aliviada, certa das coisas, lá ela estava. Sorrindo tragicamente pra mim. E eu nem sabia sorrir de volta. Ela se aproveitava de uma certa culpa minha - feminina ao extremo - de ter cedido à curiosidade e (quase) ter me estrebuchado. Ela foi a primeira das minhocas a ter nome. Depois descobri que todas eram femininas. E que tinham nomes bem próprios, curvas, cabelos, olhares. Tudo o que uma mulher tem direito de ter. Sobretudo a curiosidade de saber mais sobre mim.

Mas voltando à incômoda. Eu passei uma boa parte dos últimos meses me perguntando "por que?". Ontem ouvi a resposta. Ela foi dolorosa, como tomar uma besetacil. Lentamente e depois ter que vestir um jeans apertado e passar horas num ônibus que se sacode todo. Fiquei me lembrando do "ultimato". Nada disso. A alma não leva ultimatos, de ninguém. O coração muito menos. O mais difícil pra mim foi me dar conta que eu não tenho nenhuma jurisdição - nenhuma mesmo - no coração, seja no meu, seja em outro. Não existe "eu gostaria". Eta tempo verbal esse que machuca - futuro do pretérito... um prato cheio de delícias para a nossa prepotência em controlar as coisas. Eu queria que tivesse sido diferente. Queria ter podido evitar. Queira ter sabido. Queria que tivesse me falado. Que não tivesse existido suspeita nem traição. Queria. E nem adianta eu querer... já passou. só poderia querer mesmo no passado. e nem isso eu posso mais.

Passei o dia de hoje com ela pra cima e pra baixo dizendo que não adianta o "queria"... Estava um calor horrível nessa cidade de insanos em véspera de Natal. Levei a minha vó pra fazer umas comprinhas. Passei horas dirigindo... suando. Pensando nela. Querendo tirá-la de mim. Lembrava do Juliano intermediando a conversa ontem. Lembrava dos emails. Das fotos, dos beijos, abraços. Lembrei dos medos. De todos eles, dos meus. Dos dele. Como é doloroso saber dos medos do outro! De repente você se dá conta que só se pode ter coragem para si. Não há heróis nem Messias. Só a gente. Só gente. Medrosa.

Fiz uma retrospectiva mental insana. Cena por cena, fala por fala. Ele mentiu? Doente dentro de mim. Febre no corpo. E dor. Tentava dizer ao coração - de forma didática - que ele não precisava entender daquele jeito. Que as minhocas nem sempre são confiáveis quando se comunicam - ainda mais quando elas têm nomes. São espécies de agentes secretos infiltrados em você. Você sabe o nome verdadeiro. Mas é impossível deter... agem em codinomes de fantasias, fantasmas, medos. Pavor. E quado você se percebe... tarde demais... tudo em você é paralisia.

Ontem ela me desafiou. "Quer perguntar? Pergunta!" Por uns momentos eu titubiei. Então me deu um faniquito e fui. Olhei nos olhos dela. Perguntei. Desviei pra ouvir as respostas e ela me afrontou. Tem olhos pequenos, mas profundos. Ela me disse tudo. Intenções. Medos. "Eu sabia exatamente o que queria dela." Tremi por dentro. Tive raiva. Vontade de morder até esmagar sua última vontade... Que fácil se aproveitar das pessoas assim. Saber exatamente o que se quer dela e ter.

Depois de ouvi-la... (esse texto deve estar confuso - e incômodo - para quem ler!) e ouvi-la e olha-la e esperar. Sem respirar. Desmontei. Chorei de dor, de ódio. De mágoa. De medo. De mim. Dele. Dela. Do mundo. Do "queria"...

Deixei ela lá. Me olhando cruelmente, com pena de mim pela minha arrogância em conjugar os verbos da vida. Minha e do outro. ela ainda está aqui - incômoda. Mas ao menos deixa o pus sair. Devagar... diluindo. E eu... deixando outras coisas ocuparem esse lugar. Recebendo os sopros do amor, as lavadas de sinceridade para deixar a cicatriz surgir. E colar a pele, que nunca mais é a mesma.

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sexta-feira, dezembro 08, 2006

piscando

Eu tenho vivido umas experiências tão tipicamente mundanas...
Depois de fazer uma consulta astrológica achei que meu bastismo gradual no experienciar humano estava (quase) encerrado (embora eu ache ainda alguns itens ausentes, mesmo sem saber lista-los).

Eu estive numa típica discussão de relacionamentos esses últimos dias. Fiz que fiz. Falei, chorei. Discursei. Descobri que eu adoro discutir a relação (espero que ele não leia essa frase!) porque isso, de algum modo, me faz sentir ouvida. Pois bem.

Já viveu um daqueles momentos em que tudo parece desabar na sua cabeça? Em que você se sentiu um tremendo goiaba? Ou o bicho da goiaba? Pois é... segunda-feira.

Segunda-feira. Depois de um dia razoavelmente pensativo (e intenso nos trabalhos) eu enfrentei um típico temporal de SP (digo típico porque nos últimos dias eles foram tão frequentes a ponto de transformar o meu imaginário - a cidade da garoa dava lugar à cidade dos temporais). Mas voltemos ao temporal. Saí. Tinha terapia. Um outro momento de desaguar os meus temporais. Mas um detalhe importante. Haiva civis no meio.

Eu passei a desaguar as tempestades enlouquecidamente. Despejei o dilúvio (Noé teria inveja!), sem nenhuma arca. Nenhuma. Acabara de matar os pobres surfistas que tentavam nadar desesperados pra longe dos ventos de Iansã. Na volta continuei o meu discurso rancoroso, amedrontado de mim mesma. Doía. Mas persistia nos cortes com o bisturi (que, por serem cegos, não olham por onde passam, mas sangram).

Quando estava no meio do caminho de volta ouvi a voz amorosa do Juliano falar de novo "ponte", nosso código secreto pra sair do furacão. Chovia demais na minha cabeça pra enxergar a ponte. E mesmo me tirava a coragem para espichar a minha.

Carregava no meio dos temporais uns pacotes (junto com a bolsa, com o guarda-chuva, com as coisas pesadas) e mal podia me aconchegar ao braço do Juliano. Chegamos em casa comigo e o bico. Larguei a bolsa, o guarda-chuva. Deixei os sapatos e as meias molhadas no meio da sala. Carregava ainda as coisas pesadas. Ah! o pacote dele. Das lojas americanas. Nem me lembro onde larguei. Quando ia dar início ao meu discurso final (por isso mesmo mais dramático e retumbante) recebi um daqueles abraços sussurrantes ao pé do ouvido. "Tenho um presente pra vc. Abre."

Era um dos pacotes enfeitados com papel de Natal, papai noel feliz, sininhos, etc. Super colorido. Quebrei as pernas. Era como se acabasse a água da chuva justamente quando a câmera ia fazer a melhor tomada. Putz! Fui abrindo. Temerosa do que eu ia encontrar por ali. Olhei meio de cima do embrulho, apalpando disfarçadamente - a minha curiosidade ainda consegue ser menor que o meu orgulho, ainda - para que o Juliano não percebesse. Fui. Mais um pouco e vislumbrei uns pelinhos verdes. Nem acreditei que era isso mesmo.

Uma árvore de Natal. Com bolinhas douradas. E um lacinho rendado na ponta dela. Papai Noel pra pendurar na porta de casa, com nevinha... Em alguns segundos consegui recordar os tempos da infância quando chegava perto do Natal. Eu adoro natais. Lembro do meu avô que tinha a maior árvore de Natal do mundo (considerando meu tamanho na época), do meu tio, que desmascarei o salão de beleza da Barbie na lareira de casa antes da abertura dos presentes - e pela primeira vez vi Papai Noel furioso, entregando presentes de bico com as criancinhas meio comportadas. Foram muitas lembranças ali naquele rastrinho de infância.

Lembrava da ansiedade de ficar imaginando todas as coisas que a gente queria ganhar. Lembrei de Natais em que não ganhamos nada, por conta da situação financeira da família, mas que trocamos os presentes mais lindos (que até hoje carrego comigo). Lembrei do ritual de todos os anos a minha mãe me apurrinhar pra montar a árvore de Natal de casa. (eu adorava! me sentia a única especial capaz de fazer isso e resgatar o presépio do meu avô). Mas passaram as lembranças ali, exatamente do mesmo jeito que passaram todos esses momentos natalinos, levados pelas renas do Papai Noel antes mesmo que pudesse me despedir deles.

E ali, naquela noite chuvosa, o meu marido (adoro chama-lo assim!) compondo esses novos e futuros natais na nossa casa. Nossa casa. Nossa árvore. Ok, já estou chorando (de novo!) pra contar isso. Eu me acabei chorando aquela noite... e quando ia me desculpar pelas minhas birrices chatentas ainda escuto no sussurro "eu vi que você ficou olhando para a árvore na casa da sua mãe, toda encantada. Não queria te deixar sem esses momentos aqui"

Quando abri os olhos o olhei bem no fundo da alma, me senti o Tio Patinhas na versão Disney do Contos de Natal. E o fantasma do natal futuro ali, diante de mim, personificado no amor, na transformação que esse sentimento opera nas criaturas orgulhosinhas (estou trabalhando a minha humildade nisso também...) e egoistinhas... Que bom que o Natal tem esse poder de recuperar na gente essa coisa que a modernidade (e boa parte dos intelectuais, ditos "pós-modernos") gostam de afastar. De explicar e contextualizar. Cansei de problematizar esses momentos. Por que a gente não pode simplesmente (simples assim!) curtir esse gostoso no coração... e deixar os problemas para o resto do ano, são tantos...

Talvez esse texto esteja mesmo, de fato, bem piegas. Mas não me interessa. É tão bom olhar aquela arvorezinha de Natal em casa, com os 20 piscas que ele comprou, a nevinha, o Papai Noel pendurado na janela de casa... e perceber que em algum lugar eu ainda sou aquela menina cheia de faceirices.

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