domingo, fevereiro 15, 2009

Retrato

Há algumas semanas eu voltei a perguntar quem eu sou mesmo. Desilusões de toda a sorte compõem em você retratos diferentes.

Dias e dias pensei em como as coisas tem aparecido nos últimos tempos. Conversas daqui e dali me dão dimensões desconhecidas para isso que eu tenho - ignorante - chamado de "eu". Isso não é filosófico, mas comecei a me dar conta que os meus espelhos andam embaçados demais. Referências confusas de uma pesquisa de mim mesma sem bibliografia ou fontes confiáveis.

Montei trilhas sonoras em pedaços e fotografias que mais parecem retratos dadaístas ou coisas de Dali. Mas apesar de alguns sucessos aparentes, do lado de fora, do que se quer ver, o que se passa aqui é um retalho incompleto de um eu em trânsito, no meio de um engarrafamento num dia de calor. Caos aéreo. Voltei a dirigir nos últimos dias e a sassaricar pelas rádios e cds no meio do trânsito. Escrevi notinhas bagunçadas. Passeei por lugares aqui e ali cheios de esquinas misteriosas. De becos que saem para locais que ainda não vi.

E tudo o que falo, e digo e quero parecem sempre ali. Do outro lado. E o sinal não fecha para eu atravessar a rua. Me atirei no meio de alguns carros. Voltei. Tentei de novo. Mas as coisas passam. Depressa e confusas na minha frente. Olho as nuvens cheias de água. Vai chover e ainda não saí do lugar. Vi amigos passando do outro lado da rua. Gritei. Chamei. Mas o som das buzinas era maior do que a minha voz. Ninguém ouviu. Ninguém parou. Afinal, todos tem sempre muito o que fazer. Voltei a olhar o asfalto na esperança de ter algum lugar para sair e cruzar a rua. Nada. Mais gente, mais barulho e o dia quente me confundem as imagens de mim naqueles vidros embaçados e engordurados dos prédios chics e importantes.

Não vejo. Não sinto. Tenho buscado alternativas. O celular não funciona. Não há mensagens pra mim. Tudo e todos muito ocupados. E a minha solidão angustiada só fica relatada nessas salas confortáveis de terapia. Tem ar condicionado nelas. E eu saio de lá tão só quanto entrei. Sem conseguir atravessar as ruas e me deixar chegar em casa. Não sei mais o caminho de casa. Ando sempre no mesmo quarteirão. Os floristas me conhecem. A moça da padaria onde eu tomo café e o guarda de trânsito. Até os motoristas que sempre, todos os dias, fazem o mesmo caminho já me cumprimentam no trajeto de ir e vir. E eu fico.

Parada. No meio dessa confusão urbana dentro de mim. Sem caminhos alternativos. Não há transporte público. O trânsito dentro do meu condomínio fechado está pior do que as ruas em horário de pico. E eu fico.

Voltei a procurar pessoas. Olhei as vitrines das minhas lojas favoritas. Todas em liquidação. Ninguém vinha me perguntar se eu precisava de alguma coisa, como fazem as vendedoras habitualmente. Eu tenho crédito, dinheiro, cheque e cartão. Qualquer coisa. Ninguém aceitou. Voltei para a faixa de pedestres sem sacolas. Não há taxi.

Telefono mais vezes mas ninguém atende. Não tem ninguém em casa. Ninguém pode vir me buscar e estou sem caronas. E fico. O tempo todo olhando e esperando poder atravessar. Cansa esperar. Ouço as trovoadas e sinto os primeiros pingos dessa tempestade sem fim. Vejo o meu retrato embaçado e molhado nos vidros. As janelas e portas envidraçadas limpas. E eu ali, suja, sem poder sair. As marquises estão lotadas. Não vejo lugar pra mim. E não posso voltar pra casa. Estou sem chaves e as portas trancadas. Não há mesmo como entrar? O celular não funciona. Não há telefone público. E fico mais uma vez. Acompanhada dessa solidão que me enche de perguntas. E a chuva não lava nem leva nada. Queima. Arde. Esqueci o guarda-chuva. Não há mesmo como se proteger disso. Já saí de lá mesmo. E por mais que eu chame, peça, diga, mostre...

Há barulho demais. E todos estão ocupados. Sem tempo. Sem nada. Sem sinal, sem carro, sem dinheiro, sem. E fico. Observando esse retrato cheio de costuras e marcas de mim. Vejo os cabelos desgrenhados, a maquiagem borrada, a roupa grudada no corpo e os meus livros enxarcados na bolsa. E ando mais uma vez no quarteirão pra ouvir o mesmo bom dia do florista, com os elogios habituais. O guarda, os motoristas, a moça da padaria. E entro. Toda desajeitada. Me olho no espelho de fronte ao balcão. Ajeito a cara e não vejo nada. Espero a chuva passar. Pergunto à solidão se ela me acompanha em mais um café. Pra gente colocar o papo em dia... e fico.

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domingo, fevereiro 01, 2009

E passa o tempo. E me lembro de uma coisinha que meu pai contava quando eu era pequena, não me lembro se era uma música ou um versinho. Ninguém sabe quanto tempo o tempo tem.

E acho que pela primeira vez eu me sinto amarrada nessas teias do tempo. De uma espera que cansa. E desgasta a alma. Me deixa sem vontade de continuar a sonhar. Por que? Ora, porque cansa. E acho que pela primeira vez mesmo eu senti o peso do poema de F. Pessoa. O cansaço. Esse profundo cansaço. Da alma. De tentar. De caminhar. De querer. De esperar. De torcer. De seguir. De fazer.

E não me senti uma criança por dentro. Mas uma velha. Com os dedos tortos de contar. E os lábios gastos de morder. E ansiar.

Outro dia ouvi uma pessoa me falando sobre envelhecer. E mais do que a crise dos 30, me senti sendo arrastada por isso que a gente chama - cheio de ignorância - de vida. Deixei de rir sobre as "crises da idade" pra me pegar pensando que os caminhos traçados, muitos deles, não tem volta. E por não se voltar a gente pode, muitas vezes se encher de auto-piedade e lamentos. Mas por mais que se lamente, se tenha pena, se queira. Está feito. A herança que a gente pinga gota a gota nesses dias quentes de viver ficam. E as pessoas por quem passamos, mais ali ou aqui, dentro ou fora da gente, tem essa marca. A gente não pode esquecer do que se fez. Isso fica. No tempo. E mesmo que ele envelheça essas lembranças. Oxide esse sentir. Fica. Mais perto ou mais longe. Mas sempre em algum lugar. De mim, de você, de quem for.

Fiquei a noite em claro mais uma vez. Sentindo que esse tempo não cabe em mim. Não quero ele aqui dentro me costurando teias de prisões, de mentes, de sentimentos, meus e dos outros. Me senti de novo com vontade de fugir de mim. Seja lá o que isso for.

Correr sem tempo. Não contra ele. É uma batalha perdida. Pra não dizer desleal. A gente não tem direito de escolha nesse duelo. E fiquei rodando de um lado pro outro acompanhando o ventilador. Ele tem um "timer". Achei graça que até isso tenha tempo. Controlado. Olhei em volta pela casa - devo ter levantado umas 4 vezes... tantos relógios. Olhei os gatos. Que sentem o tempo de outra forma. O Fred, com dois anos, já tem a minha idade humana. Que coisa! E vi que o mundo passa pela sua porta, quase sempre fechada, com trancas. Com medo de alguém entrar. Desavisadamente.

Chorei mais. Fiquei com o peito asfixiado. Tanto tempo nesse pensar. E não me vi passar por nada. Nem a noite passou aqui dentro. Ficou.

Trabalhei mais um pouco hoje. Fui ver os meus pais. Engraçado como isso também passa. Os pais. Vi que eles estão indo de mim. Para um desses lugares que eu também não sei o nome. Mas que vou chegar lá, no meu tempo. E o tempo é meu, nosso, do outro, de ninguém. Do mundo, do nada. Dos povos. Do esquecer. Do perdoar. Deixar. Ir e voltar. Tudo construido nessa lata craniana que me confundem o entender. E paralizo. Sem tempo. Mas com pressa de mim.

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