domingo, março 15, 2009

Tenho fotografado coisas da minha vida que não passam pelas lentes dessa câmera. Tenho buscado cores e tons, recortes, luzes, sombras pra além do que a envidraçadas e muitas vezes embaçadas vêem.

Passei as últimas semanas selecionando fotos de mim, das pessoas, das coisas todas que aconteceram. É curioso olhar para o próprio passado e para a própria vida - nisso que a gente chama de presente... e me peguei gerundizando (isso existe?) tantas coisas. Permanecendo com coisas ali e aqui. Pra dentro e cada vez mais dentro. Trabalho de geólogos profissionais desencrustrar. Vi emails. Mais fotos. Liguei e falei com velhos amigos. Muito velhos.

Estamos todos ficando velhos. Ontem fui ao aniversário do Marcel. Meu amigo de colégio. Ele fez 30. Todos nós da turma temos 30 esse ano. Temos, tendo. Achei graça disso. Lembrei das noites jogando RPG, falando bobagens. Vendo e revendo filmes e comendo pizzas. Lembrei do ano do vestibular. Doido, não. Esse ano faz 8 que me formei. e tudo parece ontem. tão recente no meu album de fotografias revivido e cheio de legendas.

Essa semana fui tomada por uma sensação do "e se...?" Tantas coisas se... E outras mais ainda não... Fiquei pensando nas minhas escolhas. Lembrei de outras fotografias. De outros albuns arquivados. Se... mas não. E achei graça porque na faculdade de História, recordo bem dos professores que diziam que não havia "se" em História. E me achei a mais fajuta das historiadoras, pensando e minhocando nisso. O tempo todo. Achei graça de ficar lidando com o tempo nesse esquema do eterno. Do permancer. E me dei conta que havia um apego maior do que eu podia suportar. Quero uma memória tão intensa e grande e viva, que apodreço aqui dentro no meio das lembranças. Não consigo respirar nessa caixa mofada de fotos, filmes, e papéis. E
encaixotei a maioria. Mas não sei ainda como mandar isso pra fora. Fiquei pensando se há reciclagem de memórias. Que nem a gente faz com lixo. Papel. Será que eu teria condições de dar nova materialidade pra elas? Será que elas teriam mesmo a chance de serem reaproveitadas. Ri. Isso é um apego disfarçado pra não mandar mais coisa embora.

Liguei a trilha do filme English Patient... há mais de 10 anos eu escuto essa trilha. E me lembro de quando vi o filme e do quanto chorei numa tarde julho pensando que as coisas que a gente quer, deseja, quase nunca são de fato apreensíveis. E que, muitas vezes, lembrar demais, dói demais. Quis ter uma memória mais seletiva. Algo do tipo "só lembrar de coisas boas", como se diz por aí. Ou ainda guardar o que foi bom. E me peguei de novo nessa sala mofada tentando recategorizar as minhas fotografias desse viver desengonçado. Não deu. Tentei colocar etiquetas, dar um basta nessa bobajada de passados e gerúndios. Mudei as gramáticas. Joguei fora meus antigos dicionários. Eu preciso de outro vocabulário pra categorizar isso tudo. E dei por mim que esse vocabulário é modificado que nem pele de cobra.

Não consegui. Parei de novo pra me olhar no espelho e vi meu primeiro pé-de-galinha, essas preguinhas que a gente tem no canto dos olhos. A minha é ainda muito discreta. Só os paranóicos percebem mesmo. Mas eu sempre tive mania de me examinar na frente do espelho e procurar marquinhas novas, sardinhas, espinhas e essas coisas que os dermatologistas juram que vão tirar da sua cara.

Achei coisas novas. Mas achei minhas lentes mais velhas. Usadas. Bem usadas. No sentido que eu podia ver coisas agora mais sutis. Fotografo melhor, não pela técnica. Mas pelo exercício (esforço!!!) de ver melhor. Mais fundo. De deixar passar uma luz e uma sombra que só são atingidas nesse viver mais tempo. Desengonçadamente. Olhei de novo as marquinhas no rosto. Eu tirei a maior parte das minhas sardinhas. (viva os dermatologistas!) mas achei marcas que os médicos não saberiam - jamais - tirar de mim. Essas cicatrizes que a gente carreega - sem apego mesmo! - aqui dentro, mas que de tão fundas saltam aos olhos.

Me senti mais leve. Estranhamente mais leve apesar de todas essas marcas. Olhei de novo os meus albuns. Há tantos que passaram nessas páginas. Foram, voltaram. Se foram de vez. Para sempre. E por mais que eu os traga de volta, os chame, os queira por perto pra relembrar aquele papo-todo-de-antigamente: filmes, seriados, músicas, piadas e lugares... não me pertencem mais. Há muito tempo. Fiquei com vontade de reencontrar um monte de gente. Não hoje. Mas lá.

Lá é um lugar bonito que a gente nunca foi, mas morre de vontade de ir. Compra passagem, mas sempre perde o vôo. É, é um lugar que só se pode ir voando. Nisso que você entende como imaginação-idealização. E outras coisas que não cabem aqui nesse real esquisito. O nosso lá é sempre aqui dentro, o melhor lugar. E me dei conta que não tenho fotos de lá. Nem sequer um mapa incompleto. Que bom... seria triste não poder (re)construir esse lugar, aqui mesmo.

Trei a máquina da bolsa e fiquei de novo brincando de fotografar os gatos. Eles são posudos e charmosos. Eu gosto de passar esse tempo com eles e a máquina. Repassar outros albuns que estão aqui. Fora mesmo de mim. Pra desentupir essas antigasevelhasemofadas fotografias de viver.

Abro as lentes. Limpo com aquele paninho especial... e deixo a luz entrar mais. colocando as sombras dentro das gavetas. Para dormirem um pouco mais. Até a próxima sessão.

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