sexta-feira, janeiro 11, 2008

ritos repetidos mitos

Havia um mistério naqueles mergulhos de dezembro... Desses que fazem a gente se perguntar onde começa o mar e onde termina o céu...

E essa menina que mergulhava demais de dentro e mais pra dentro botou os dedinhos na beira da praia. Fincava os dedões rechonhudos na areia fazendo pequenas bolinhas - almôndegas esmagadas de areia. O céu estava naquele azulado feliz do verão. Algumas nuvens se espreguiçavam em cima do mar, pousando para os mais distraídos na paisagem.

Não havia barulho ali. Nem mesmo as pessoas ao redor deixavam o silêncio acordar. Havia uma quietude que ela buscava e que só o mar podia dar. Oferecer, na verdade. Essas quietudes nunca são dadas. Nada é dado. E foi justamente nesse cenário que os mitos, repetidos se materializaram. Um jeito só dela de deixar as coisas passarem. Normalmente nos finais de ano ela ficava bastante tristonha. Esse apego que se tem à vida - quase adolescente - de não querer que a vida passe. De tão boa? De medo do que está na esquina? hm...

Eram pequenos barquinhos de pedidos perdidos no tempo, nas ondas. Eles se prometiam coisas. O azul, o laranja e o violeta como testemunhas desses sonhos de amanhã. Era difícil de ver o alcance dessas promessas. Nem eles mesmos se deram conta. Um horizonte de sol preguiçoso, pronto a se deitar. E deixar os namorados debaixo d'água, num beijo mergulho de despedida. Ela tinha tanto medo de deixar aquele barquinho atravessar o oceano. Mal podia ver as profundezas de si mesma. Do outro. E tudo o que lhe restava era o desapego inconsequente. Deixar(-se) ir. E se foi... num subir, mergulhar pra lugar nenhum...

Havia histórias naquela embarcação... Só dela. E tudo o que se podia fazer era beijar os lábios molhados do oceano naquela despedida eterna de si mesma. São ritos passados, necessários. desajeitos... E por mais que se queira acompanhar as trajetórias incertas das ondas, tudo o que ela tinha ali era a esperança de que os pedidos - dela e do seu amor - chegassem num porto sei lá de onde e fosse lido e atendido sei lá por quem... Deixara-se... Perdera-se... Tomara...

E de novo, o ano, novo, começava com essas esperanças de menina reacendendo dentro dela. Motivando um respiro longo pra outro mergulho que ela sairia nem sei bem onde. Tantos mistérios nesse mar... e tantos desejos a deixar... Via os sorrisos dos dois ali, naqueles beijinhos e abraços e sussurros semi-escondidos pelo sol, nos seus raios que se deitavam nas almofadas do mar... se espreguiçando para só acordar no ano seguinte. E parecia tão longe...

Ontem eu a vi num fim de tarde chuvoso na praça pôr-do-sol. Algumas coisas aniversariavam dentro dela. E a sua celebração era silenciada por aquele fim de dia nublado. Só dela. Nos olhamos meio tímidas pela estranheza do encontro e nos reconhecemos. Lembranças de um 31 de dezembro na beira da praia. Nos lembramos do amor. Das promessas de menina e dos sonhos de eterno apaixonar-se. Não o vimos ontem na praça... Ocupado com o trabalho certamente. Mas me lembrei bem do remetente do barquinho... Ali, na esquina do teu coração. Cheio de saudade. Quis voltar pra casa. E debaixo daquela chuva nos despedimos, até o próximo 31 de dezembro. Ou num dos portos de si mesma...

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