quinta-feira, julho 05, 2007

casa(r)(ndo)

Estranhamente nessas férias estou caseira demais... Depois de ajeitar o básico no primeiro dia de sossego, atropelei a ansiedade fazendo faxina no guara-roupa... é. Terapia de graça, que alivia, e dá uma renovada na energia.

Foram horas de ajustes, ajeites, ajeitos, e desajeitos na minha bagunça interior que sempre se transforma depois de uma boa limpeza. Colocar as minhocas para trabalhar. Isso mesmo, que elas tenham utilidades nobres à alma além de me atasanar...

Aliás, outro dia me perguntaram porque há tempos não escrevia sobre elas. Se eu tinha dado férias às meninas...estava menos rancorosa... Fiquei ouvindo aquilo tudo... e de repente parecia que essa figura que me indagava sobre essa "peculiaridade" nos meus textos não tinha entendido absolutamente nada.

Não vou ficar explicando as minhocas, nem dizer nada delas. Além do que elas são de fato. Minhocas. Com "M" maiúsculo. E por isso mesmo, profundamente femininas (no pior sentido dessa contextualização... Pandora, você nem imagina como seria o mundo se naquela sua caixinha tivesse minhocas...! não mesmo!), com curvas, sorrisos, lábios e tudo o mais. E mais: inteligentes. Isso mesmo, burlam você, derrubam você. Por isso mesmo não podem ser apreendidas, confiscadas e, lamento dizer, explicadas.

Mas voltemos... Esse pequeno bate papo informal sobre elas me deixou encabrunhada... primeiro, tem mais gente que lê isso do que eu pensava. Bom. Não é esse o problema. Segundo, como tornar o indecifrável tratado sobre mim mesma, para sempre inacabado e revisado, e rascunhado, minimamente legível... Comecei a rir pensando que eu talvez me daria ao trabalho de fazer isso.

Tenho escrito sobre o casamento. E a pergunta do Gustavinho, citada no post anterior, me trouxe algumas luzes. Primeira fresta da janela aberta: eu sou muitíssimo feliz. E talvez seja exatamente esse o problema. Não em ser feliz. Mas compreender e apreender o que se entende sobre felicidade. Delírios literários, psicanalíticos à parte (não vou mesmo me dar ao trabalho de falar sobre isso!) eu fiquei pensando que, além do fato disso ser profundamente relativo, o desafio está em viver essas pequenas epifanias. Não compreendemos nada sobre o pleno estado do ser. Não somos. Estamos apenas. Estamos com calor, frio, fome, sede, felizes, tristes, eufóricos, putos da vida, de saco cheio. Estamos sempre alguma coisa. Essas etiquetas mutantes são a única coisa que temos de mais constante (apesar de toda a inconstância delas!)... e de fato, ainda estamos aprendendo a ser.

Talvez ser feliz seja extamente saber lidar com essa mutação de etiquetas emocionais, sociais que se têm o dia todo. Sem controlar. Ora, isso sim é pura ilusão. Talvez seja o movimento de sempre (re)fazer as faxinas no guarda-roupa... sem medo de jogar fora a roupa de anos atrás. O ponto é que a gente (aí sim!) É super apegado...

O casamento é isso. Testemunhar a vida do outro. Ok, essa é a parte fácil Você até pode assistir de camarote se quiser. Comprar uma pipoca, esperar e apagar a luz. A parte difícil, desafiadora e, claro, a mais bonita, é deixar que o outro testemunhe a nossa vida. Nossos defeitos, medos, alegrias, conquistas e derrotas. Testemunhe nossas mais feiosas e engraçadas idiossincrasias. E, maravilhosamente, passe a amá-las. É... isso é espetacular. Nossa existência na Terra já é solitária e corre-se o risco de ser vazia, sem graça, quase esquecida. Sempre me lembro de como os egípcios sacramentavam essa passagem da gente aqui. Escreve-se o nome das pessoas na pedra. Ela viverá para sempre. Será sempre lembrada por alguém.

Cansados de carregar as pedras habituais da vida que, cá entre nós, pesam um bocado... A gente se casa. Por amor, por medo da solidão, por encontrar a pessoa que completa, que dá sentido, por paixão, por gravidez inesperada, por grana, por qualquer coisa...

E, para o meu romantismo incontestável, o testemunhar é o que se tem de mais inteiro nisso. E justamente por esse motivo é que os casamentos duram pouco, ou nem começam, ou escorregam pelos dedos... Falta manutenção. Cuidado. Ser testemunha não é fácil mesmo. Advogados que o digam. Mas as pessoas tem medo dessa tarefa, você não pode mentir e, se o fizer, será condenado em algum plano de existência, seu ou do outro. Mas não passará incólume.

Justamente por isso. No dia do lançamento do livro do Pico, fiquei um tempão conversando com o Gustavinho... falamos sobre isso. Sobre mim. Ele viu uma Srta T há alguns anos atrás a ponto de quase se perder dela mesma. E foi o primeiro, talvez o único a dar a sentença de morte. Disse a ele de coisas que acontecem nos meus pesadelos de viver. Contei de coisas, de dores, de saudades, de tristezas, de transformações. E concordamos nisso. Transformação dá trabalho. Dor de cabeça (dói em outros lugares também...) E talvez esteja aí a metáfora do casamento que encontrei nessa conversa com ele... arrumar a casa para esperar a pessoa mais importante da sua vida. E descobrir que a sua arrumação, mon cher, não está a contento. Que aos poucos a monotonia da sua casa precisa mudar os móveis de lugar, limpar os farelos de pão que o outro deixou cair. Lavar lençóis, tirar o pó. Ah! detalhe importante! Nessa casa não se trabalham faxineiros ou empregados. Só você, afinal o seu convidado pode, no máximo, ser orientado onde e como jogar o lixo. E onde vai se sentar à mesa. O resto... é da nossa conta.

Por isso mesmo o casamento é assim. Bonito demais. Gostoso de tudo. Até com esse azedo amargo no fundo. Se mastiga... e quanto mais se mastiga, mais saboroso fica. Você descobre outros ingredientes secretos. Mas é preciso paciência.

Mais ainda, é preciso gostar de ficar em casa. E continuar arrumando tudo. Sem pressa. Com carinho e jeitinhos... fala-se pouco, e se faz mais... o resto, vem de madrugada, naquela ternura toda do edredon. Que é só nossa... e ninguém poderia jamais compreender. Epifania...

Gu, obrigada por me mostrar essa casa nova, naquela noite no Frans... sempre aberta para te receber...

Nenhum comentário: