quarta-feira, fevereiro 20, 2008

o castelo além-mar

Eu vi a menina do barquinho na semana passada. Tive a sensação, ao olhar pra ela ainda longe que as coisas estavam mal. Ela chorava na beira da praia. Compulsivamente. O barquinho tida ido embora. Pra longe dela. E as pessoas que ela tinha visto embarcar pareciam ter se afogado naquele choro interminável...

Ela me contou - virada de costas pra mim, cheia de timidez e vergonha do choro - que tinha visto e ouvido coisas muito tristes. Falou de um sonho de atravessar o oceano que tinha sido quase naufragado. Tinham dito coisas feias pra ela. Desse tipo de coisas que as pessoas inseguras dizem pra se defender, sabe? Acontece que com toda aquela sensibilidade ela tinha dado tanta importância pra isso... Me disse que depois de fazer a mala e separar um lenço vermelho bonito pra se despedir na hora da viagem... me contou que esperava muito - e há muito tempo - a hora de ir, de deixar as coisas todas pra trás e seguir um rumo que nem ela sabia direito qual era. Novos ares, novas gentes, paisagens e cheiros. Estava quase sorrindo quando falava desse momento de partida. Mas daí a pequena desabou em si de novo. Contou pra mim que não achavam que ela tinha condições de fazer aquilo. Mais ainda... que ela precisava parar de chorar e ficar se fazendo de coitadinha, afinal a vida era difícil mesmo.

Não tinha a menor idéia do que dizer pra ela. Peguei os seus dedinhos amarrados em si e pedi pra ela desenhar na areia. Ela me contou de um outro dia em que ela fazia um castelo bacana na areia. Nada sofisticado. Um castelinho que cabia muitas pessoas nobres, reis, rainhas, princesas e príncipes encantados. As pessoas eram bem felizes ali no castelo, tinha festa todo o dia e ela gostava de dançar ao som da música que os instrumentos brincavam. Perguntei onde ficava esse castelo. Ela me respondeu que era ali bem pertinho do porto de onde os barcos partiam pro outro lado do Oceano. Mas ela também não tinha estado lá de verdade. Só ouvia a música e ouvia as pessoas que chegavam de lá contando como era legal e bonita aquela festa. Ela sempre quis participar e receber um convite de honra do rei pra poder valsar e brincar como todos aqueles que retornavam.

Foi aí que ela contou que não queriam que ela fosse também pra lá. Ou se queriam, não fizeram muita coisa pra que ela pudesse participar. Sabe como é... as pessoas até querem que vocÊ faça as coisas, querem te ver feliz. Mas parece que essa felicidade é um castelo tão suntuoso que dá mais trabalho ainda de ir visitar. No caso da menina não. Ela repetidamente me dizia que o castelo que ela sonhava - de tanto ouvir falar - era grande, mas as paredes eram feitas de pedrinhas de riso. Isso mesmo. O chão era pintado com carinho e amizade e não existia teto. Nem porta. Cabia todo mundo ali.

Disse que um moço explicou a ela todas as dificuldades de visitar o castelo e fazer parte da festa. Ele disse tantas coisas que ela desanimou. Chorava dizendo que o castelo estava se perdendo em caminhos os quais os mapas e as cartas náuticas antigas não mostravam... Esse rapaz ainda fez toda uma projeção de gastos sobre a viagem dela até lá. Parecia tão difícil. Um dia, quando ela estava fazendo esse castelo na areia e seguindo todas as instruções mentais que o moço tinha dado - quase como fazendo contade cabeça em voz alta - veio uma onda muito forte e dele sobrou uma torre de observação quase desmoronada...

Ela me disse que não queria mais falar disso com ninguém. Que o castelo parecia ficar mais longe e ela mais distante ainda das pessoas legais que frequentavam aquelas festas alegres e coloridas. Perguntei se ela tinha desistido. Ela disse que por enquanto ela só conseguia chorar. Se sentia sozinha porque as pessoas não entendiam como ela ia chegar ao castelo desse jeito. Desse jeito dela. E diziam coisas comuns do tipo "vai dar certo", ou ainda "não se preocupe que se não for agora, vai ser depois". Essas frases vazias de quem não sabe como acolher um coraçãozinho apertado. Foi bom ela ter dito porque eu quase disse a primeira frase...

Engraçado que nessa hora ela me olhou nos olhos. Deu uma risadinha de canto de boca. Apareceram duas covinhas perto dos lábios... Ela era tão bonitinha! Fiquei sem graça com aquela espontaneidade. Eu sempre gostava de conversar com ela justamente por isso. Ela me dizia coisas que eu gostava de aprender e sentir. Levava pra casa no peito por semanas...
Silenciei. Era pôr-do-sol naquele mar azul-prata-esverdeado-que-nem-os-olhos-chorões-dela... Segurei a mãozinha pequena, cheia de areia nos dedos. Passavam umas pessoas apressadas na beira do mar. A gente ouvia os sons dos passarinhos e os roncos de outros barquinhos que deportavam dali. Perguntei se ela estava melhor. "Você sabe de alguém que possa falar com o meu coração?" Travei... E ficamos ali nos olhando mais um pouquinho até o sol baixar de vez e a lua surgir no outro canto do céu.

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