Fiquei boa parte da noite em claro. Sonhos esquisitos e a agitação do Juliano com outra viagem.
Fiquei sabendo ontem de mais uma notícia de um amigo com o filho. A Marcinha, minha grande amiga passou uma coisa terrível outro dia com a criança dela. Dois meses e um risco de uma grave cirurgia.
Ainda não tenho filhos. E sei que os terei um dia. Só tenho o Fred e a Filó que são os meus nenês, por assim dizer. Fiquei me lembrando da Marcia falando sobre o que os filhos nos trazem. Um amor tão sobrenatural para os mais cabeçudos, como eu e ela. Rezei, pensei. Mal dormi.
Fiquei pensando no meu afilhado. No jeito que a vida da gente se transforma com a presença dos outros. Me lembrei do Charles há quase onze anos atrás. O Gabriel, filho dele teve mil complicações ao nascer e aquilo mobilizou pessoas de todos os cantos. Fiquei ontem pensando sobre a fé. E como a gente desconhece isso. Parece que a fé só existe depois que as coisas se resolveram. Um modo estranho de confirmar que tudo ia - e deu certo. Ela - na nossa ignorância - não serve ao seu propósito primordial: nos dar certeza.
Há um tempo atrás fiquei com questões sobre isso: afinal, a gente é ensinado a crer num Deus que se ocupa de tudo para nós. E que às vezes esse sujeito fica de mal humor e está ocupado demais para dar conta das nossas questões. Fiquei com coceiras dessa mentalidade católica. Me dei conta que essa meu desconhecer sobre a fé e sobre a minha própria capacidade de enfrentar problemas com a auto-confiança, inclusive de que sou merecedora da felicidade, me travam para prosseguir.
Acordei hoje com a rotina de semi-férias. Uma preguiça de resolver e fazer as coisas. E uma inquietação sobre isso que me roubaram o sono. Fiquei pensando nos pais, nas crianças. Em como a gente é frágil. Fiquei pensando no que dizer, em como rezar e pedir. Pensei na Marcia. No Charles. E no meu companheiro de blog, o Emanuel. Por fim, essa sensação de impotência me fez lembrar de uma história bem forte na minha família.
Gustavo, meu irmão, quando nasceu com complicações no parto, manifestou isso anos depois. Tinha uns 3 ou 4 anos, mais ou menos. Eu não sei bem o que ele teve - mas era uma coisa neurológica, com um daqueles nomes difíceis. Meu irmão sempre foi o cara frágil, sensível. Arteiro, mas silencioso. A arritmia que ele teve comprometia a sua coordenação motora (fina?) se não me engano e ele teria dificuldade com uma letra caprichada, mas nada ligado à aprendizagem cognitiva. Me lembro muito das conversas dos meus pais que falavam as coisas em códigos achando que eu não entendia. Gu tomou remédio por algum tempo. Fez um longo tratamento. Mas de verdade, o pânico da minha mãe se resolveu - ou pelo menos se acalmou - quando fizemos em casa uns quadradinhos de madeira com as letras gravadas em lixas. Ele tinha que ficar passando o dedinho ali para alinhar a coordenação. Me4 lembro bem que eu não entendia porque ele tinha que ficar "brincando com as lixas", mas ficava com ele e a minha mãe. Horas e horas todos os dias.
O tempo passou e as preocupações - constantes - se transformaram em uma sensação de conquista. A gente tinha acabado de sair de Porto Alegre e vindo para São Paulo. Não tínhamos ninguém aqui da família. Os amigos, contávamos nos dedos de uma mão. Não havia nada nem ninguém além de nós 5. A Clara, a minha irmã mais nova, não tinha nem um ano.
Lembro do Gu indo para a escola com medo de ter uma crise de novo. Minha mãe se preocupava e eu tinha um senso de proteção com ele, apesar das brigas que a gente tinha. Eu era bastante chata com os meus irmãos, mas os defendia. Me lembro de socar vários coleguinhas dele que o ameaçaram na escola. Era o meu jeito de dizer que me importava.
Ficamos anos convivendo com isso. Com o receio, as idas ao hospital para dar pontos na cabeça dele toda a vez que ele batia com ela em alguma quina. As consultas na neurologista (me lembro que era uma mulher inteligentíssima, que lia revistas em francês e eu ficava folheando isso tentanto entender alguma coisa enquanto esperava a consulta terminar) e os exames que ele tinha que fazer periodicamente (isso eu gostava de olhar porque os eletrodos me lembravam os filmes de ficção científica que eu via com o meu pai).
Hoje, anos depois, meu irmão está terminando o mestrado em astronomia. É um físico incrível e um dos geninhos da família. Mas muito mais que isso, ele é um testemunho pra mim da paciência, que eu nunca tive, de esperar e ver as coisas acontecerem. De perseverança. E mais, de resignação. E de uma resignação que, como li outro dia, é uma aceitação com o coração, não com a cabeça. O Gustavo certamente tem isso. Ele me inspirou sempre, sobretudo porque nunca perdeu a ternura. Ou os risos. Ele tem o maior sorriso do mundo. (se ele ler isso vai achar que é piada! ele tem uma boca enorme!) E toda a vez que eu o vejo, aqui em casa falando bobagem, dançando, discutindo filosofia comigo, ou arrumando o meu computador, me lembro da gente no quintal de casa com os dedinhos nas lixas. Me lembro dos tombos de bicicleta. Das brigas. Das vezes que eu não queria que ele saisse comigo porque o achava um pirralho! Das conversas e dos abraços que foram se sofisticando, nas sutilezas. De coisas que ele me falava, me perguntava. Me lembrei das minhas apresentações de ballet em que ele era o que mais me aplaudia... e essa inspiração toda de sorrir. Exatamente como o poema do Chaplin que postei outro dia.
Tem coisas lindas que o outro ensina pra nós sem se dar conta. Mal sabe ele que até hoje eu recordo dessas coisas. E do quanto eu sou grata a ele por esse aprendizado. Que veio de criança. Para criança. E que ainda hoje me revela que o nosso descontrole sobre o mundo, sobre nós e a vida, é o que nos revela, verdadeiramente a natureza dos milagres. O sublime.
segunda-feira, dezembro 15, 2008
de criança para criança...
Postado por Srta T às 10:51 AM
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2 comentários:
Espero que apesar de todos os problemas que as crianças à tua volta têm, nunca desistas de ter filhos. Por muita coisa má que possa acontecer, as coisas positivas que eles nos transmitem, absorvem e eliminam completamente o mau que possa ter existido.
Aplausos, sorrisos, cumplicidade, amizade, arrepios e amor...foi tudo o que eu senti ao ler este post aqui no seu cantinho=)
Beijos Montes
Lou
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