quinta-feira, maio 22, 2008

Meus novos Indiana Jones


Há 19 anos atrás meu pai me levou para assistir no cinema Indiana Jones e a última Cruzada. Desde sei lá quando ele me mostrou o mundo dos heróis. Coisa engraçada que uma menina como eu fosse incentivada a ver os filmes de ação, guerra e toda a sorte de aventuras e tiroteios.

Me lembro da primeira vez que assisti Os caçadores da Arca Perdida. Foi na praia com o meu avô e ele. Foi um dia desses em que minha mãe e minha vó queriam dar uma volta e na época, recém lançado o video-cassete, ele alugou o filme pra mim dizendo "Esse filme você vai gostar de ver!". Ainda me lembro da minha mãe dizendo pra ele baixinho se o filme não era muito "pesado" pra mim...

Lembro bem que a gente se divertiu muito e na semana seguinte ele alugou O templo da perdição. Eu descobri. Estava completamente apaixonada pelo Indiana. Mais ainda quando relacionei que ele era também meu outro herói, Han Solo. Engraçado como essas coisas povoam as fantasias da gente. Eu fiquei anos recortando reportagens de jornal com ele e lendo tudo o que podia sobre arqueologia. Não posso dizer que não foi uma influência na minha escolha em ser historiadora... Mas mais que isso, essa influência meio mágica dos contos de fada do meu pai.

A gente nunca foi assim muito sensível um com o outro. Acho que perdemos isso quando viemos a São Paulo, deixando a família, as coisas boas, tudo quase, em Porto Alegre. Ele sempre foi um pai muito amoroso, desses que adorava fazer carinho, brincar e dar presentinhos. Éramos muito próximos. Mas isso se perdeu nessa vinda a São Paulo, e acho que ficamos até hoje reinventando esse jeito de se amar.

"A Thais é a minha companheira de televisão", ele dizia aos amigos adultos e eu me orgulhava muito de ter esse estatuto tão especial, já que a minha mãe não curtia esses monstrinhos e mundos de faz de conta. Adorava naves espaciais e cheguei a cogitar de ser astrônoma ou alguma outra coisa que me levasse ao espaço. Acho que isso ficou pro meu irmão...

Mas voltando ao Indiana... Me lembro bem do dia em que ele disse pra minha mãe "hoje vou levar a tati pra ver o Indiana Jones comigo". Vibrei! Adorei a idéia de ver isso em tela grande e ficar cantarolando a musiquinha clássica durante dias (incluindo o caminho até o cinema). O mais incrível de ver esses filmes com o meu pai é que ele entrava no espírito da brincadeira, todas as perseguições de carro, tiros, escapadas fantásticas e todas as mentiras (im)possíveis que o cinema é capaz de criar arrancavam risadas dele! Os comentários, as conversas que ele tinha com os personagens e as interferências nos efeitos especiais... tudo isso me deixava ainda mais feliz de poder ver um filme desse jeito, de poder estar próxima dele apesar de toda a dor que ele carregava por ter vindo pra São Paulo. Acho que nesses momentos de cumplicidade com o universo dos heróis a gente dizia muita coisa um pro outro sem saber... enfim.

Tenho saudades de ver esses filmes com ele. Há muitos momentos cinematográficos que marcaram. Sou capaz de lembrar até os comentários dele... as cenas que ele gosta...
Ontem foi a minha vez de tentar retribuir os favores... Convidei o grande para assistir a pré-estréia do Indiana Jones comigo. Pouco ligava em saber quem ia comigo. Éramos nós dois com certeza. Havia um ciclo importante a se fechar nisso. Fiz questão de sentar do lado dele depois, e comentar e rir e gritar e aplaudir na pré-estréia ao lado do meu pai, como os verdadeiros fãs sabem fazer. Foi um jeito de voltar há 19 anos atrás assistindo a Última Cruzada. E mais, de dizer, desse nosso jeito desajeitado que ele é o meu grande companheiro de televisão e de muitas outras coisas.

Na semana passada foi aniversário dele. E não hesitei em gastar um dinheirinho comprando um presente bacana. Fomos depois ao show do Dominguinhos, uma figura especial que toca as músicas do nordeste, com as quais eu cresci ouvindo. Houve uma identidade ali, silenciosa, que me emocionou. Por mais que esse mundo nordestino esteja distante de mim na prática, no meu dia-a-dia, ele está aqui dentro. Eu sabia as letras das músicas, as melodias.

Fiquei olhando em volta. A minha família toda ao redor. Tanta história ali. Tanta coisa atravessada juntos. Essa cumplicidade que fortaleceu a gente e fez tantas outras coisas calarem em nome desse amor... Me lembrei muito das nossas idas ao aeroporto de Porto Alegre ou à rodoviária. Houve uma ocasião que pedi à minha mãe que comprasse sapatinhos novos, como os de boneca. Mas com verniz. Um rosa e um preto. Com aquelas fivelinhas e lacinhos. Pedi para ir ao aeroporto com ela só pra mostrar ao meu pai os meus sapatos. E nesse dia quando ele chegou de mala e com aquela cara de cansado cantava pra gente uma das músicas do Dominguinhos

Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo
Um sorriso sincero, um abraço,
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade
Que bom,
Poder tá contigo de novo,
Roçando o teu corpo e beijando você,
Prá mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam,
A paz que eu gosto de ter.
É duro, ficar sem você
Vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim



E isso se repetiu muitas vezes na minha infância até a gente vir pra cá. Na novela do Roque Santeiro, nas músicas do Luis Gonzaga. No chapéu de couro, nos filmes e na literatura de cordel que ele sempre lia. Nos repentes que ele criava pra entreter a gente e fazer a minha mãe rir... Nessas duas últimas semanas tanta coisa do meu pai voltou assim, de tudo e inteiro dentro de mim. Deu saudade. Uma admiração que se ampliou por dentro do peito, numa onda de gratidão por tudo o que eu sou hoje, pelo que tenho, pelas coisas que fascinam. Pelo estudar, pelo batalhar, pelo rir e brincar e ser espontânea nas minhas demonstrações, apesar de ele ter ficado depois tão mais fechado.

Vi esse homem desfilar as suas histórias ontem pra mim. E me emocionei de poder fazer parte desse filme. E nele, ser uma personagem importante, cheia de coisas ainda por fazer e contar. Fiquei olhando ele no show e sentindo essa alegria desajeitada de querer retribuir e dizer tantas coisas... Me dei conta que essa mistura toda que eu sou e essa idiossincrasia de personalidade se devem, e muito, a essa presença de Indiana que ele é... uma mistura de tantas coisas e cheia de sutilezas que eu ainda aprendo a perceber e a entender. Hoje, 19 anos depois e mais 29 depois... vi tantos indianas na minha vida se passarem, tantas trilhas sonoras, efeitos especiais, aventuras, acidentes de carro, brigas, incêndios, e muitas outras corridas... Não encontrei essa arqueologia dos filmes, mas achei um caminho meu, profissional, povoado de histórias, minhas e dos outros. Achei as minhas paixões, naves espaciais, ainda que sem sair desse planeta. Não participai das lutas entre o bem e o mal e não viajei à Europa ou ao Egito para encontrar algum tesouro perdido ou fazer a grande descoberta científica do século. Também não saltei de aviões e botes salva-vidas em cachoeiras e penhascos... Mas tenho muita coisa nessa maleta pequena do meu coração. É bom ter um aconchego pra voltar. Aqui dentro. Nessa mistura de sonho com memórias e os "momentos preciosos" que a minha mãe sempre sinalizou onde procurar.

Todo esse fantástico, papai, obrigada. E sinto saudades da gente... No sonho e na realidade. E ansiando pelas nossas aventuras nessa vida...

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