sexta-feira, maio 02, 2008

encantando-me

Acho que não há mistério no encantar-se. Ontem nesse feriado chuvoso e frio aqui me deixei encantar por uma série de coisas que me rodeiam. Foi aniversário de casamento dos meus pais. 32 anos. Bem vividos.

Horas antes eu tinha assistido Encantada, um filme novo cheio de citações bem-humoradas a Walt Disney e todos aqueles bichinhos que cantam, dançam e as pessoas lindas que vivem felizes para sempre.

Essa tem sido uma reflexão pra mim nos últimos anos. Haja terapia para se descobrir que apesar, ainda é possível ser feliz. Acho que não para sempre, mas quem sabe a maior parte do tempo. Quase para sempre.

Obviamente eu fiquei emocionada com o filme. Eu gosto de contos de fada e desse universo quase-real-sonhado-de-criança que alguém que sonha e escreve e fala muito bem nos deixa de presente. Ora, que mal há nesse sonho acordado? Uma vez ouvi de um amigo que eu era sonhadora demais, que corria o risco de viver alienada. Fico pensando hoje que a gente tem a chance de escolher de qual mundo se alienar. Eu aind prefiro me alienar da dor, quando ela é funda demais. E faço isso de um jeito suave, bem meu. Nesse insistir de acreditar, de querer, de achar que vai dar certo.

Há três culpados por essa minha crença de contos de fada. O cinema e a literatura, por certo. A outra é minha mãe. Ela sempre gostou de brincar de bonecas e de todas essas coisas mimosas que as princesas desse mundo encantado gostam. Nisso eu sempre fui muito menos "feminina" que ela. Me lembro de criança que eu adorava todas as molecagens dos meninos. As brincadeiras eram mais divertidas, serelepes e tinham uma dose de emoção e adrenalina. Aventura pura. A gente nunca se "topou" muito nessa diferença. Mas posso dizer que minha mãe soube cultivar em mim esse universo de mimos que vi desabrochar mais tarde.

Muitas vezes me senti sozinha demais por acreditar no amor, no romantismo (inclusive o alemão!) e nessas coisas de cantar de deixar bilhetes e dizer eu te amo de cantar e dançar na rua. Eu fiz - e faço tudo isso. Me lembro até hoje da noite que o Juliano me convidou para valsar na frente do supermercado. Eram quase dez da noite. Foi bem contos de fada. Poderíamos repetir de novo... De fato eu sempre cultivei isso nas minhas relações, lembrando do aviso do Fernando Pessoa em que todas as cartas de amor são ridículas. E de como gosto de ser chamada de ridícula nessa pseudo-pieguice-amorosa que me deixa feliz por dentro.

Ontem vendo o filme pude ter quase (repito: quase) a dimensão do que é ser vista assim pelas pessoas hoje em que tudo é tão fraturado e picotado (por dentro e por fora)... e a criatividade do amar deixou espaço para o repetir do frustrar(-se). Há descrença. Medo. Um pavor do outro e de se deixar entregar... Um medo do desapego. Acumular hoje não cabe mais aqui dentro do peito. Só na superfície. Da pele mesmo quando a gente fala de "química", de corpos, de transas, de coisas. E o sentir fica circunscrito nessa superficialidade-de-corpo-a-corpo-e-saliva.

Bem longe de ser esse príncipe dos livros, o personagem do quase-príncipe-encantado tinha vontade de viver um romance (no sentido belo do termo) e ao mesmo tempo não sabia se encantar mais com nada. Acho que é esse o serviço do outro na vida da gente. Permitir que haja encantar-se. A princesa por outro lado nunca tinha vivido a dor. Há amor sem dor? Não... e não sei se seria bom... a dor de verdade é o melhor árbitro no nosso livre arbítrio. Ela sinaliza. Não julga. Mas mostra. Informa. Esclarece. Há aqueles que tem a coragem de olhar nos olhos fundos dela e desafiá-la. Há outros que se entorpecem de explicações e alienações que corroem, matam aos poucos.

Ontem fiquei olhando para os meus pais aqui em casa. Tomamos vinho, rimos, falamos de tudo e de nada. Meus irmãos estavam aqui também. Foi bom ver que o apesar, a dor nos deixou escolher o melhor de nós. Essa insistência-perseverança nos "momentos preciosos" que a minha mãe tanto falava. Dei de presente o Castelo de Vidro pra eles. Um confirmar de tudo isso que ela nos deixou. Do seu conto de fadas e das batalhas contra os monstros do mal que ela fazia tão bem...

Dormi com essa história no coração...lembrando do filme, dos muitos outros filmes e livros que (re)criei dentro e fora de mim. Dos meus personagens que cantam, dançam, escrevem e vivem poesia. Dos meus príncipes encantados e das bruxas do mal adormecidas. Das fadas, das madrinhas e dos padrinhos. Dos espelhos, dos lobos, dos bichinhos que falam e dos vestidos de cortina. Dos meus sonhos. Do meu viver. Do meu sentir. E olhei pro jeito que o Juliano vinha vivendo esse encantar-se(me)... Ainda bem. Apesar.

Um comentário:

# 7 disse...

Depois dos teus comentários no meu blog, resolvi saber mais um pouco sobre ti e chego à conclusão de que és uma pessoa muito especial, ainda que possas ser mais feliz. Gostei da maneira de pensar que podemos escolher o mundo do qual nos queremos alienar. Penso exactamente o mesmo.