sábado, agosto 30, 2008

UTI

Talvez o mais desafiador naquilo que dói é reconhecer que se está - de fato - doente.

Não é de hoje. E poderia citar muitas causas pra essa dor dilacerante que gangrena em mim. Coisas de mim. De outros. De fora e de dentro que ficam aqui, latejando. Deveria ter imaginado que a contaminação das minhocas seria mais profunda do que abalar simplesmente a minha - aparente - tranquilidade emocional.

Faz semanas que choro. Muitas. Por coisas que são quase impossíveis de perdoar. De imaginar. De acreditar. Me lembro de um dia que um professor me explicou o que era confiar. Uma imagenzinha boba de um vaso de vidro. Depois de quebrado, mesmo colado, nunca mais seria a mesma coisa. Me perdi tentando colar partes de mim que foram estilhaçadas. O mais doloroso é que ao estilhaçar te colocam pra fora da vida. Te embutem num armário de "está a minha disposição". E fui obrigada a dividir o armário com mais um monte de fantasmas mofados.

Eu não sei se eu posso mesmo perdoar. Essa é a doença. Também acho qeu a dor que eu tenho aqui não será jamais compreendida por quem causou. Uma vez ouvi um conselho estúpido de "mostre como dói". O mais difícil foi reconhecer a minha incapacidade de devolver na mesma moeda. Não me rebaixaria tanto a esse nível quase degradado de carência e entendimento descartável das pessoas.

Estou na UTI. E me vejo sem conseguir pedir para desligarem os aparelhos. Uma exaustão que há tempos venho sinalizando. Será que eu sempre amei errado? Será que eu acreditei demais? Não vejo perspectivas em mim. A dor tomou conta e virou um cancer na alma.

Eu bem que poderia ficar me fazendo de vítima pra sempre. Seria até fácil. O difícil é ver a cura disso aqui dentro. Há uma sucessão de machucados transformados... uma tentativa minha pseudo-heróica de fazer alguém sentir e viver custa caro assim? Teria valido a pena de qualquer modo...

Tenho vontade de apagar a luz. Dormir. Esquecer de tudo. Fazer de conta que nunca foi. Voltar pra minha cômoda postura sonhadora. Me sinto doente. Fraca. Deprimida mesmo. E sem forças pra pedir ajuda. Sem coragem de me expor mais e pedir. Acho que já expus tanto... pedi tanto. E me sinto mendiga, andarilha da minha própria vida. Um desejo de sucumbir porque as forças acabaram. Tenho rezado para não desistir de acreditar. Há sinais de cura, os aparelhos apitam. Aqui dentro.

Onde eu ponho tudo isso inflamado? Será que cicatriza um dia? E será que eu tenho força pra esperar. Vejo. Sinto. Ouço as coisas se transformando aqui pertinho de mim... tenho pedido colo. Tem doído mais do que a dor pode expressar. E tenho me sentido só. Profundamente só. Sem nada a minha volta pra me agarrar.

Um perder-se de si. Do resto. Pra onde mesmo? Fiquei treinando hoje as defesas que aprendi no tae kwon do... como se pudesse me proteger do que já bateu. Sangra. Dói. E vou deixando de respirar. A dor penetra no peito e me tira isso que a gente chama de vontade de ficar. Nem de ir eu tenho vontade mais. Só. O trabalho, a sala de aula fica o meu esconderijo mais seguro. E os livros me jogam pra dentro desse universo das palavras, mais concreto e mais meu. Ando por aqui. E não vejo mais nada.

Escuto de longe os bips de aparelhos pedindo pra eu voltar, ficar. Preciso de ajuda. E não sei quem pode me (des)ligar...

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