sábado, outubro 18, 2008

Arrumando armários

Uma das coisas que me distrai nessa solidão de dentro é organizar o guarda-roupa. Parece engraçado. Eu sempre fui organizada, sistemática com as coisas que me dão prazer. Sempre gostei de arrumar a casa. Sobretudo a minha.

Sinal de desatenção é curado arrumando papéis e tralhas e roupas. Percebi que essa patologia de organização acontece de tempos em tempos. Fico horas separando as coisas que quero e não quero. Ritualizo essas arrumações com as músicas que me devolvem a Thais. Sexta-feira saí cedo e quando voltei comecei a organizar os papéis da pesquisa. Isso se transformou num caminho sem volta. Abri caixas que estavam fechadas há tempos. De dentro de mim também. Achei cartas antigas, bilhetes, fotos, cartões de aniversário. De gente que se foi há muito tempo. Recolhi umas joinhas que meu avô deixou pra mim com umas mensagens à "bailarina". Outros do tio Fredy. Desenhos. Cartas de mim pra mim. Recados da minha mãe. Poesias do meu pai em dias de aniversário. Meu discurso de formatura da 8a. série. Tantas coisas... achei até uns bilhetinhos do Pico, de quando a gente tinha uns 11 anos. Achei graça de ter preservado essas coisinhas mimosas. Muitas delas ainda são vivas em mim.

Depois fiz uma arqueologia subaquática nas minhas lágrimas. Tirei as dores que ficaram incrustradas na alma. E que me ancoravam nesse mar morto... salgado demais. Me lembrei do Caio Abreu... que seja doce... e comecei a tirar papéis e lembranças. Dessas dores, muitas deixaram uma névoa sutil. Quase escondida. Outras eram mais espessas e doía demais mexer. Encostei. Mas tirei das caixas.

Abri compartimentos novos nos armários. Depositei ali as lembranças boas. De adolescente, de quando brincava na rua e dos meus caminhos no ônibus do Paralelo até em casa. Eu adorava ficar olhando o jeito das pessoas andarem e falarem. Até imitava quietinha na minha cabeça. Comprei uma caixa rosa pink. Isso mesmo. Fiquei com vontade de ser menina e gostar de rosa. Menos vermelho talvez suavize o coração. Achei um recado de um antigo fã que ria da minha configuração astrológica: leonina, ascendente capricórnio. Lua em escorpião. Depois me lembrei do Pico dizendo que eu era a melhor nerd que ele tinha conhecido... É curioso como as pessoas pintam a gente com cores tão próprias. Me lembrei do Fernando Pessoa no livro do Desassossego mais uma vez... que cor é sentir?

Revivi um arco-iris bonito. Intercalado pelas tempestades discretas desses anos. Umas mais turbulentas. Coloquei as coisas bonitas nessa caixa rosa. Foi importante ritualizar essa transição. É importante sentir que se cresce. Como dizia o Sidnei... é bom saber que a gente dilata. Fiz uma prece quietinha. Olhei ao redor. A Filó ficou o tempo todo comigo, com esses olhinhos grandes, amarelos. Solares.

Agradeci. Me arrependi. Me desfiz e desfilei pra mim mesma. Tomei um banho comprido... gelado. Senti a alma baixar a febre. Demorei mais ainda. Deitei e olhei pra cima. Como se lá no alto alguma confirmação dessas mudanças fosse sinalizada... o lustre balançava com o vento. e as cortinas... vi os gatos brincarem com isso. Fechei os olhos e escolhi as melhores coisas que me aconteceram... as mais singelas. Muitas mais discretas do que eu poderia perceber na época. Fiz uma listinha na cabeça. Organizei. Coloquei no coração. Respirei fundo nisso. São raros esses momentos de completude e felicidade dentro da gente.

Me lembrei mais uma vez do meu tio. Dessa alegria dispersa-angústia. E abri uns livrinhos soltos de alemão. Histórias de criança para adquirir vocabulário. Fiquei olhando as figuras. Desenhos bonitinhos e cheios de cores. Li quase nada.

Meio adormecida em cima dos livros fiquei com esse perfume aqui dentro. Me lembrei dos outros armários... de uma casa que se refaz diariamente dentro - e fora - de mim. Apertei o travesseiro e gostei de ficar ali. Só. Cheia de lembranças. Dançando comigo nesse salão recém arrumado.

Tocou o telefone. A Clara, minha irmã, ligada nas turbinas. Rapidamente voltei à realidade ouvindo as suas palavras me atropelando. Ia encontra-la pra por a conversa em dia. E quem sabe, falar da faxina. Fechei a caixa rosa. A porta. E transitei por São Paulo sem mais correntes.

Um comentário:

Lou disse...

È muito bom encontrá-la em seu cantinho e decodificar junto contigo a caixa das intermináveis recordações. Esse dias estava ouvindo o Chico e me lembrei de um momento especial para mim, aquele em que eu fiquei em sua casa e conversamos muito, pois, estavámos preparando uma apresentação para o curso de dirigentes... que dia agradável,diferente da eventual tristeza/alegria eufórica que eu carregava sempre comigo!
Montei um blog de moda "http://amodadalou.blogspot.com" , mudei meus planos também!!!
Tem úma ótima semana, srta T!
Aninha!