quarta-feira, outubro 15, 2008

Dia de professores

A minha terça feira foi insana mesmo. Se eu ouvisse essa história de outra pessoa, possivelmente desconfiaria das capacidades mentais. Mas a graça não está mesmo só no que a mente pode dizer - ou fazer. Está no sentir.

Charles foi meu professor de portugu6es na 7a série. 1992. Faz tempo. Mas é muito atemporal aqui dentro de mim. Já falei dele aqui. A última vez que nos vimos foi em 1998. Eu já o havia visitado no cursinho que ele lecionava no ano anterior. Conheci o Rodrigo ali. Meu outro querido.

Passaram-se dez anos. Foi tanto, e nada. Há tempos que eu queria reencontrá-lo e dizer que a menina que ele tinha conhecido crescera. Essas coisas que a gente quer mostrar e dizer. Uma tentativa até de resgatar as coisas que a gente tem de especial, de importante, de valor. Sentia falta de conversar com ele. De explicar, perguntar, ouvir. Gostava de ouvir ele cantar na sala e dizer todas aquelas poesias incríveis que ele conhecia. Nos falamos brevemente em 2006 depois de uma empreitada minha quase FBI ou CIA. Digo sempre ao Juliano que eu poderia trabalhar num desses serviços de inteligência. E rimos.

Depois de uns quatro emails a gente se perdeu. De novo. Mas é estranha a sensação de não se perder alguém de fato. Havia uma sintonia ali. Esse ano, mais uma vez eu voltei a procura-lo. E nesse meio tempo um monte de fantasias infantis do porque-que-ele-sumiu-de-novo voltavam e voltavam. Era quase um disco riscado. Sonhei, procurei. Nada.

Fui para Jundiaí ontem atrás dele. Depois de descobrir a escola, telefone, endereços. Peguei o carro e me preparei para voltar em seguida com um até-logo, ou o-que-você-faz-aqui. Essas coisas. Fiquei esperando o intervalo num texto longo de papirologia... e eis que ali surgiu essa figura. Do jeitinho que eu o conheci - de cabelos curtos e uma barba esquisita. Mais branca. Os mesmos olhos e aquele jeito tímido de chegar.

Rimos porque era tão absurda a minha presença ali - a começar pela cara da secretária quando me viu. Imaginei que ele deveria ter um monte de fãs entre as alunas e que era comum essa tietagem toda. Mas seria difícil mesmo explicar esse significado. Talvez para muitos isso tenha cara de paixão platônica enrustida, ou coisa assim. Mas me marcou muito a Fátima Freire - a filha do Homem - dizendo que a gente tem que devolver para o outro as coisas que recebemos. Acho que, pela primeira vez, me sentia em condições de devolver qualquer coisa ao Charles.

Foi bonito. Conversamos e eu assisti a uma dele. O tema não poderia ser mais apropriado para a minha busca de realidade. Romantismo. Me lembrei das aulas do Nicolau na USP que me tiraram o sono com esse tema. Das leituras do Fausto. Da dança e da música. E de tudo isso que a gente foge e volta na vida. Como é triste idealizar o entorno. E ouvindo o que ele dizia eu me lembrei do Juliano. Das coisas que eu queria dele, de nós. E de tudo o que essa perspectiva romântica de viver nega: crescer.

Saímos da aula e fomos assistir uma apresentação dos alunos. Uma espécie de show de talentos. Recordei a minha - amarga às vezes - adolescência cheia de crises e complexos. Foi engraçado. Estava ali, com 29 anos, liberta da maioria das neuras juvenis, ao lado do meu professor. Uma testemunha ocular de uma parte minha que morreu, morria. E de um (re)nascimento custoso. Fiquei imaginando se isso era parecido com o texto de Saramago sobre a cegueira. Deve ser estranho ver quando ninguém enxerga.

Almoçamos depois de um percurso de estrada. Quase a minha estrada ali revisitada depois de 17 anos. Mais velha. Mais eu. Mesmo que eu ainda não saiba que eu é esse. Ou esteja romanticamente analisando essa perspectiva egocentrada de Eu. Tem tantas coisas que eu queia contar e mostrar. Me senti numa galeria de mim mesma escolhendo qual era a melhor obra. Era engraçado agora sermos colegas de trabalho. Humanos...

Saí desse almoço meio enebriada com lembranças e as experiências que - ainda - eram tão recentes em mim. Fui para a USP buscar a Marly e depois ir para a casa do meu orientador. Horas de conversa entre o mais acadêmico e o mais humano. Músicas, café, coca-cola, e essa coisa toda da cultura trash... Vimos os livros, artigos, falamos do futuro, de mim, dele. Falamos dessas mulheres estudadas pela História. E dos historiadores que pouco se olham, mas muito se estudam. Fiquei agradecendo aos imortais por essa generosidade da vida. Que bom ter um mestre assim. Saí de lá quase 2...

Voltei pra casa. Chorei pelo Sidnei. Outro mestre. Agradeci pelos meus. Que são presentes. E por esse reencontro comigo. Ontem, hoje e amanhã. Vi o Charles e o Tatá numa imensidão de linha do tempo aqui dentro do peito. Tudo atemporal nessa minha transformação. E esse sentir de plenitude. Só meu. Que por mais que eu escreva, fale, sorria, mostre, vai ficar sempre aqui dentro comigo. Aos mestres, todo meu carinho, e a minha gratidão. Sempre.

Um comentário:

Lou disse...

Parábens pelo dia de hoje! Amei o post! Beijos
Aninha!