domingo, junho 08, 2008

Apegos

Sempre fui apegada. Não sei se por configuração astral (que meu irmão não me leia) ou por personalidades ancestrais. Sábado me dei conta que a ascendência capricorniana e a lua em escorpião podem ser combinações intensas demais. Encontramos a dona da Lina...

Deveria ser por volta das 11:40 quando depois de provar umas roupas e me serelepar toca o telefone e escuto um "oi meu amor" bem tristonho. Perguntei o que aconteceu. "Achamos a Dona da Lina". A Lina é a minha gata. Já falei dela aqui. Estamos com ela há quase 2 meses. Encontrada na porta do prédio miando bem docinha e assustada. Desde então eu tenho me apegado e apegado. Levamos no veterinário, banhinho, comidinha, cuidados dali e daqui e sempre com muitas brincadeiras e risadas. Isso sem falar de todo o dengo e carinho que a gatinha tem dado.

Juliano me falava, desde o primeiro dia que eu não deveria me afeiçoar muito à Lina. Pena. Tarde demais. Estávamos os dois encantadinhos - e particularmente eu - com o fato de que todos os meus gatinhos de casa (de madeira, de porcelana, de desenho, de pelúcia, etc. ) estavam materializados na Lina.

Eu sempre fui bem chata com a idéia de que as pessoas tratam melhor os animais que os humanos. Nunca concordei com essa tendência (mesquinha-egoísta) da gente... Engolida pela língua. Estou pasma comigo. Como esse amor pode brotar da gente, uma vontade de cuidar, de deixar bem. Outro dia lendo o blog My Corner, soube que o autor vai ser papai pela segunda vez. Sempre gostei da idéia de ter filhos, mas nunca pude imaginar desse sentir todo e inteiro e intenso que sai da gente. "Imagina quando tivermos filhos", disse ao meu marido depois que saí da veterinária 4f passada. A Lina fez uma cirurgia. Castramos. E isso foi uma decisão difícil. Passei dias pensando e meditando sobre a minha pretensa humanidade. É interessante quando a gente verbaliza discursos adquiridos e comprados em bibliotecas. Questionei todos eles ao passar algumas noites sem dormir com o cio da Lina. Depois mais uns dias matutando sobre as minhas crenças (diria o Juliano) feministas sobre a liberdade e o controle (ops) sobre o próprio corpo, etc e tal.

Dei 14 aulas no dia que a Lina fez a cirurgia e fiquei ligando a cada instante para saber se ela estava bem. De repente me senti quase como a socialite brasileira que deu uma festa sensacional de aniversário ao seu poodle. Socorro! Muitos antagonismos num dia só! Cheguei em casa o mais rápido possível e fomos levar as coisinhas da Lina no veterinário. Ela estava dopada e com as pupilas super dilatadas. Isso sem falar na dor. Assim que ela me percebeu saiu aquele miado miúdo, apertado. Sentido. E um roçar na minha mão que me arrancaram umas lágrimas tímidas. Fiquei meio sem jeito de me emocionar daquele jeito. O Juliano me abraçou, me pediu calma. Continuei chorando... Saí de lá com o coração estraçalhado.

Passei a 5f esperando a hora de ver a gatinha depois de ir e vir com alunos para o mangue e o mar - depois vou ter que falar disso...! - e somente na 6a. a Lina ia voltar pra casa. Eu me sentia tão responsável por cuidar... e isso provocou uma série de questões sobre o meu estudar-experienciar o gênero...

Tudo isso me passou - e mais - na hora que eu soube que a dona da Lina tinha sido encontrada. E mais, que ela era assim tão importante nesse meu universo pseudo-maternal. Eu fiquei tão desnorteada que só conseguia pensar em como isso era quase - bem pouco - impossível. Chorei, tremi, temi. Fui passional em tudo o que eu tinha direito. Inclusive - parece patético - de ligar para minha mãe. E o comentário dela depois... "não se apega, vai dar tudo certo".

Quando eu cheguei em casa mal pude subir os três lances de escadas. Pedi ao Juliano para descer e encararmos por fim a realidade - a dona da Lina. Mil imagens se passaram na minha cabeça sobre a suposta imagem da figura. E, ao dar de cara com ela, segurar toda a vontade de chorar. Nem quero pensar no meu estado ao bater à porta da mulher. Ela saiu, sorridente. Mais aliviada na verdade, do que sorridente. Contou a história da Lina. Ela tem só 5 meses e saiu do interior de São Paulo daqueles lugares que se matam animais. Ela ia morrer e a mãe da Fran - a dona da Lina tem nome! - depois de ameaçar a gata com todos os modelos de vassouras disponíveis no mercado, apesar de ter salvo a vida dela, deu a Lina (Ex-Fiona) para as netas.

Escutei isso com o coração na garganta. Fiquei mal ao saber que aqui na vizinhança existem tipos de "serial killers" de gatinhos. E de todas as ameaças reais que a Lina sofreu. Depois de narrar esse conto de terror ouvi um "Não precisa chorar que o gato vai ficar com você" meio atropelado pelo alívio de "ela estava mais perto do que eu imaginava" com "ela está super bem cuidada". Perdi a fala. Não sabia bem se eu continuava escutando a história triste da Lina ou se eu pulava na mulher e enchia ela de beijos e de gratidão eterna. Pura pieguice, eu diria há 6 meses! Tomei!

O mais desafiador ao meu desapego - profundamente esgoísta - foi escutar a reação das meninas - adolescentes - sobre a perda da Lina. Uma delas faltou na escola não sei quantos dias e teve um febrão. A outra, algo parecido. Quase comecei a chorar de novo e nesse redemoinho todo de sentir, uma mistura de felicidade com a minha imagem de bruxa-má-sequestradora de gatos. Pobre espelho meu. Foi incrível como eu me vi naquelas meninas. Como me vi menina. Nesse apego inconsequente e esgoísta de ter só o meu. Sofri mesmo por elas. Fiquei sem graça de entrar na casa e ver os outros gatos ali e a carinha delas sem jeito de me olharem. Foi a primeira vez que duelei com o sentir-me culpada e salvadora ao mesmo tempo.

Apertou o peito. Só consegui agradecer às duas. Tímida. Quase miando, como a Lina no dia da cirurgia. Houve um silêncio das duas partes. Espero que com a legenda de "eu imagino como você deve se sentir". A gente nunca sabe de fato como o outro sente. Mal arrisco dizer o que eu mesma sinto.

Conheci os outros gatos. A casinha original da Lina e seu ex-nome. Ouvi mais histórias e só consegui me despedir, sem falar. Agradeci àquela mulher com um abraço nada comedido. Mas silencioso. Emotivo. Olhei bem nos olhos dela e só consegui murmurar uma parte do que eu admirava e invejava nela. O desapego. "Nem sei como te agradever por ela. Ela chegou num momento muito importante pra mim." E não saía mais que isso. Calei. Abracei. Não olhei pra trás. Entrei no prédio e abracei forte o Juliano. Chorei de novo. Criança. Alívio. Apego-desapegando do que eu achei que sabia. Sentia.

Subi as escadas e quando abri a porta lá estava a minha - de fato, minha - gatinha. Olhando ainda com dor, curativos, miudinha. Ficou no meu colo. Dia, noite, pedindo carinho. E eu me via ali. Apertada, querendo colinho. Talvez a nossa pretensa visão de supra-sumo-evolutivo-planetária... sei lá, deixe de perceber essas sutilezas do amor, do carinho e do cuidado. Desses presentes que a vida dá pra gente. em silêncio... Retribuindo esse querer. Escrevo isso e ainda me emociono vendo a Lina aqui do lado, carente, frágil com esses pontinhos e cheia de curativos. Mas tão companheirinha. Carinhosa. Charmosinha do jeito dela. E de como eu percebo essas epifanias de sentir... Agradecida...

Talvez a minha mãe tenha razão mesmo. Eu sou apegada demais aos que amo, aos que eu admiro. E não aprendo a viver sem eles depois. Acumulo sentir. Acúmulo de querer mais. E mais...

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