Hoje a Lina foi embora... De vez. Na hora de sair para o trabalho toca o interfone. Era a dona da nossa gatinha. "Preciso falar com vocês"...
A história não estava acabada. Eu sentia isso. Juliano também. Nenhum de nós falávamos sobre o assunto. Parece que a simples idéia de perder a Lina seria demais para os dois. Ignoramos. Fingimos não saber. Ficamos mais duas semanas assim depois da coversa de sábado.
Ao que parece o meu exercício de desapego chegou ao nível de exigência de gente grande. "é só um gato"...
Ouvi a Fran falar. Escutei com o coração na boca. Ela pediu o gato de volta depois de uma trama complicada de ex-sogra e ex-marido mais filhos birrentos. De fato, não queria estar na pele. Nem no primeiro dia que nos vimos. Eu já teria tomado a gata de volta... e admirei a generosidade dessa mulher que me dava a gatinha comprando uma briga das grandes com a família. Corajosa.
Eu pedi. Implorei. Chorei. Cheguei a quase desmaiar e passar mal mesmo. Fiquei envergonhada da minha humanidade vomitando na porta do prédio depois de passar 3 dias com o estômago ruim e dores aqui e ali. Não sei se isso era um sinal...
Fiquei pensando antes de escrever aqui quem deveria contar essa história. Shakespeare, Goethe... Nelson Rodrigues. Os irmãos Andersen... Não consegui. Chorei os tubos. Como fazem as crianças. E revivi esses dois meses como numa alucinação-emocional... Lembrei do dia em que ela entrou em casa pela primeira vez. Dos carinhos, das brincadeiras e de todo o cuidado e amor que ela despertou. Lembrei da gente amarrando um barbante com pedaços de papel e da faceirice dela correndo pra lá e pra cá... da minha frustração ao comprar brinquedinhos e ela nem ligar. Lembro da primeira consulta à veterinária... da minha versão da história... do apego com a Lina que crescia e invadia o peito.
Lembrei do dia da cirurgia e do dia que saí chorando do hotelzinho ouvindo ela miar e esfregar o rostinho, toda sedada, na minha mão... Achei aquilo tudo cheio de significados no meu universo pequeninho aqui dentro.
Lembrei de todas as vezes que exibi a fotinho dela no celular e contei feliz que a Fran tinha me deixado ficar com ela. Hoje doeu. Dilacerou... Nunca achei que fosse cometer essa micagem toda emocional e quem sabe imatura-fútil-apegada-mesquinha me deixassem assim...
Eu saí de casa tendo antes ligado pra minha mãe. Claro. Entendi profundamente a dor da Fran. Ela me pediu perdão por levar a Lina. Não sei quem deveria perdoar quem ali. Na versão dela eu tirei a gatinha da família dela. Ela nem tinha como fazer diferente. A ex-sogra está com câncer e se recusou a falar com ela depois de saber que a gata, viva, estava "doada" com outra pessoa. Vizinha do lado... Imagino como a sensibilidade da doença tenha deixado ela arredia. E as meninas. Nem sei. Hoje me senti como elas. Adolescente. Há duas semanas eu julguei: birra. Hoje, vivi. Senti. E doeu fundo. Compreendi tão fundo que não tive outra escolha a não ser deixar a Lina ir. Chorei mais na escada subindo pra casa. Sabia que era um subir de escadas pra fundo de mim...
Entrei no apartamento. Ela me esperava na porta. Subiu no colo. Chorei mais. Mais. Não consegui dizer nada. Aí sentei com ela no sofá e disse que a gente precisava conversar. Hoje, talvez, pela primeira vez, entendi a tirinha do Calvin quando ele perde um bichinho de estimação... e a mãe só conseguiu dizer que ele tinha ido para o céu dos bichinhos. Pensei se existia mesmo um e se um dia a Lina - egoisticamente - seria minha de novo. Num céu desses de contos de fada.
Fiz os cafunés que ela gosta. Brinquei com o papel amarrado no barbante. Disse a ela que a verdadeira mãe tinha voltado e que ela deveria voltar. Agradeci a ela pelo tempo que ficou comigo, pelas coisas que ensinou... deixou aqui fundo... pela alegria. E por ter me ensinado a entender essas coisas estranhas da vida que a gente nem explica nem entende. Só vive. E sente. Ela me olhou e de novo agarrou o meu pescoço com as patinhas. Hoje cedo a brincadeira dela era moder o meu dedão do pé. Chegou a furar a minha meia...
Desci a escada me esforçando pra ter a atitude honesta, sincera, inteira com a Fran. Quando elas se viram a Lina foi arisca... Viu a Beti, quem fez as devidas conexões com a história da Lina-Fiona... Ela mostrou os dentes pra ela... Juliano e eu nos olhamos rapidamente. A Fran disse que ela seria bem cuidada. Nessa hora a Lina colocou a patinha no meu queixo e ficou me olhando... era o nosso tchauzinho. A mãe tem sempre que ser o adulto da situação. Batalhei fundo pra isso na hora...Ela pegou a Lina.
"Eu vou indo pra você não sofrer mais"... acho que nós duas sabemos que isso não era possível... Ela pediu desculpas de novo. Agradeceu. Eu não consegui responder. Nem consegui olhar muito pra ela. Lina e eu ficamos ali nos olhando. Juliano me abraçou. Pedi pra ver a Lina atravessar o portão... Vi ela sumir no colo da dona. Vi o tamanho do meu apego... Doeu tanto. Subi a escada... Chorei mais. Olhei pra caminha dela na sala... e o barbante.
Por alguns instantes achei isso tudo piegas e irracional. Claro. Trata-se de assuntos em que somos pouco treinados.
;]
Pensei depois nas coisas que podia ter dito. Feito. Meio novela mexicana... Voltei pro sofá. Olhei a casa vazia... Só a Bia aqui limpando... queria poder limpar as lembranças e passar um pano nesse pó que a memória se torna. Queria ter tido forças pra dizer não. Impossível. Acho que era exatamente isso o que a Fran queria me dizer quando pediu perdão...
Estou em casa de novo. Agora com dois gatinhos... conto depois... ainda nos olhando e namorando. Exceção da filhotinha. A Filó. Tem o Fredy... Os três nesse dia frio. Cheios de coisas... e esse mistério do viver e morrer. Não quero pensar que a Lina morreu. Quero poder dar de cara com ela na rua aqui da frente, fazer uns chamegos e respeitar esses aprendizados que os gatos nos trazem. Vou levar a Lina comigo... hoje percebi, olhando dezenas de gatos para adoção (idéia do Juliano de como conter uma leonina desesperada e inconsolável), procurei ela ali no meio. "Lina só tem uma", me disse baixinho no ouvido... E é mesmo. Sinto falta dela. Choro ainda. Mas quero que isso se torne uma das páginas bonitas da minha vida. Cheia de saudade, manha, carinho, e essa generosidade que ela veio me trazer empacotada no coraçãozinho. Fico imaginando as filhas da Fran com ela. Não senti ciúmes. Mas foi gostoso imaginar que elas podem sentir o mesmo alívio que tive há duas semanas atrás. E que a vó doente ia quem sabe, fazer o exame hoje depois da notícia e fazer as pazes com a família. Dói. Mas é uma dor com alívio... Fiquei com a lembrança dela agarrada em mim hoje cedo. E da nossa despedida cheia de silêncios e significados. Senti como um agradecimento pelo amor que ela recebeu da gente. Uma espécie de "também vou sentir saudades, a gente se tromba por aí"...
Os gatos nem sempre são livres pra escolher. Hoje eu vi isso. Mas encerro o post com um sentir grande de saudade-gratidão-amor-tristeza-apego-amor... Lina.
/span>
terça-feira, junho 17, 2008
Despedidas
Postado por Srta T às 5:37 PM
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário