domingo, junho 15, 2008

A hora das fadas

Compre um prisma para a minha janela. Bate sol o dia todo no apartamento. É ventilado. Iluminado. Posso espalhar plantinhas pela casa e enfeitar com cortinas coloridas.

Tem sido mágico observar essas coisas. Meus últimos dias não tem sido muito fáceis. Foram simples. O de sempre na rotina do fazer. Mas muito diferente e intenso no sentir. No perceber. tenho evitado até de escrever para que algumas coisas não sejam colocadas de forma leviana. Não se trata de não desabafar. De não-dizer. Mas como preservar alguma sacralidade em alguns eventos.

Fui testada à exaustão no meu emocional nesses últimos dias. Nem o dia dos namorados escapou... Fiquei trabalhando muito em casa nessas manhãs de outono disfarçado. Gosto de olhar as janelas e imaginar com os olhos o que se passa aqui fora da minha casa. Hoje cedo, muito cedo, vi o amanhecer na janela. Tantos desenhos e cores no céu. Tão bonito. Valeu ter despertado agoniada. Voltei a dormir depois.

Nessas manhãs de trabalho-prece-agonia fico esperando a hora das fadas. Engraçado como eu consigo recolocar alguns pedaços da minha infância no dia-a-dia. Queria até que isso fosse mais constante. Quando o sol bate na janela da sala eu empurro o prisma (quando o vento está ocupado demais pra fazer isso por mim...) e vejo aquele monte de cores dançando na minha parede. É mágico. Lina e eu temos basicamente a mesma reação. Ao contrário dela - que fica pulando de um lado pro outro "caçando" as luzinhas coloridas eu fico aqui olhando elas se multiplicarem. E é a minha melhor parte do dia. Observo essas coisas e me voltam memórias, sentimentos, pessoas. É como se a casa se enchesse mesmo de fadas... nas cores, nas coisas que trazem consigo e nas risadas que me despertam vendo a Lina saltitar.

Agora mesmo estava aqui escrevendo sobre a escravidão e o café. Estava imaginando por que os trabalhos avulsos que me surgem estão sempre relacionados à História do Brasil... fico reclamenta, apesar de encontrar um prazer secreto - e bem timidamente birrento - nele. Liguei uma musiquinha e vi a Lina cochilar. É bom tê-la aqui do lado. Em paz. Sendo minha (egoistinha eu... sei disso). Trocamos uns cafunés e miados e quando volto pra sala pra continuar escrevendo preguicenta no sofá dou de cara com as fadas saracuteando nas minhas paredes. Tinha fechado as janelas por causa do vento forte. O dia esquentou de repente. Fui lá há pouco e abri a janela. Dei um soprãozinho no prisma... as fadas vieram.

Fico aqui me lembrando das conversas com o meu avô, das brigas com a Clara, minha irmã. Senti saudades dos passeios com o Vinícius na faculdade e da sessão besteirol com o Jedi. Olhei em volta e vi os meus cantinhos de novo. Juliano saiu e deve voltar em breve. É bom sentir essa presença dele em casa. Mesmo com as suas astronautices, vazios e silêncios. Suas distâncias medrosas e assustadas de mim. Doeu o coração lembrando de algumas das nossas discussões. Depois, como se um sussurro de fada viesse ao ouvido, fiquei olhando em volta e percebendo todas as coisas que ele me dá - generosamente - sem que eu peça. E talvez, a maior fonte do atrito seja justamente a falta de sincronicidade no pedir e no dar. Não acontece quando se quer. Mas quando se disponibiliza a dar e a receber.

Lembrei da primeira vez que eu peguei as chaves do apartamento e vi as paredes sujas sem pintura. Sentei no chão agradecendo por ele ser nosso. Foi um dos vazios mais plenos que eu tive. Lembrei de quando a Clara deu um fiasco porque eu ia sair de casa. Das minhas brigas com o meu ex-orientador, meu ex-namorado. Lembrei das ex-chefes. Tantas coisas importantes se tornam ex pra nós. E fico pensando aqui no significado de tudo isso. De como as coisas, pessoas, sentimentos, simplesmente passam (através de) por nós... e ganham outros contornos embaçados e diluídos... Tudo vira vulto...

Olhei uma foto minha com o Juliano... há tanta coisa do Nosso que passou, que passa. Se presentifica. Fortalece. E esse passar todo das pessoas, das coisas. Essa passagem etéra é tão desconcertante para alguém apegada como eu. Olhei pra Lina aqui de novo. Vi outras coisinhas ao redor que guardam consigo tanta coisa importante pra mim. Será que a gente carrega nosso museusinho particular pela vida?

As luzinhas ainda dançam aqui. O sol está passando para outra janela. Quero colocar prismas nas outras janelas daqui. Quero povoar minha vida mais com essas fadinhas. Coloquei duas fadinhas em casa. Uma no alto da parede da sala. De sainha de girassol. A outra, verdinha fica no meio dos livros de literatura. As duas tem olhinhos fechados e os cabelos enrolados. Acho gostosa a sensação de poder olhar pra elas e de algum modo, materializar esse universo infantil-fantástico-sonhador. Poucas pessoas entendem e muitas, quando entram em casa, acham tudo isso meros objetos de docoração pra deixar uma casa "bonitinha".

Gosto desse meu segredo decorativo. Bem ritual. Cheio de coisas só minhas. Nunca me pensei tão territorial e caseira. Juliano é assim. Não sei se isso é obra da convivência ou de uma nova revelação de uma fragilidade...

As fadas diminuem aqui na sala. Fico com essa sensação de epifania no coração... guardando pelo dia, até o sol do dia seguinte. Vendo as cores do sentir e do lembrar. Do guardar. Dançando em volta de mim. E eu, de algum modo - pouco treinado ainda... - tentando imitar a caça da Lina, agarrando com os olhos esse universo multi-cores de mim.

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