segunda-feira, julho 31, 2006

livrando(-me)...



"The mass of men lead lives with quite desperation. what is called resignation is confirmed desperation"

"what every body echoes or in silence passes by a true to-day may turn out to be a falsehood to-morrow"

Tenho lido Walden do H. D. Thoreau. Saboreando ele, melhor dizendo. Fiquei me lembrando nessas pausas da minha obsessão por livros. Me lembrei do Juliano falando sobre mim um dia: "ela se esconde atrás dos livros, como eu". De fato essa fala me tocou muito. Eu fiquei me recordando dos meus passeios às livrarias, bibliotecas, sebos. Sempre me escondendo? Ou era uma tentativa de sair? De ser vista?

De fato nunca parei pra pensar nisso sistematicamente. Mas ler Walden tem me recolocado nos trilhos. Tenho lido em voz alta - treinar o inglês com aquele sotaque do Sean Connery é uma delícia! Devaneios à parte tem feito bem pras minhocas. É curioso como elas são cultas. A conversa sempre é em alto nível. Plenas de citações. Argumentam, elaboram. Minhocam e me minhocam mais. Mas não deixa de ser saudável. É um revolver de terra, um adubo carinhoso que deixa a terra da mente respirar, se reacomodar.

Mas não é sobre as minhocas que quero contar. Fiquei pensando na frase do Juliano e me dei conta que os livros mudaram ao longo dessa minha (curtíssima) trajetória de ser leitor. (depois eu quero falar mais sobre Walden) Antigamente eu os via como criaturas pequenas e metidas a besta. Gostava deles, mas eram tão prepotentes! Sabiam tudo, conheciam tudo, viram tudo, dominavam(-me) tudo. Era sufocante. Uma luta, por mais que eu os devorasse e tragasse pra dentro de mim, eles eram muito grandes, intermináveis. Uma dieta impossível de engorda. Nunca eu os teria comigo, todos.
Por muito tempo não conversávamos. A minha insegurança (me sentia sempre muitíssimo inferior) me deixava tímida, de modo que eles se tornavam aos poucos criaturas tagarelas e inaudíveis! Eu os lia ao mesmo tempo. Agora. 5 ou 6 de uma vez. Eu os queria. Era uma glutona ansiosa, insegura, cheia de vontades de sair de mim. O efeito era justamente o contrário: eles me engoliam por dentro. Ficava silenciosa. Dias em mim. Neles. Muda.

Quando eu resolvi começar a escrever (que nem gente grande, como me disse uma vez o Vinícius) eles se modificaram no meu paladar. A fome era menos veroz. Conseguia processar a digestão. Passei a conversar com eles. Dizer de mim, das minhas angústias, vontades, sonhos. Eu podia sonhar com eles, mas eles não podiam mais sonhar por mim. Eu queria mais deles porque percebi que podiam ter mais de mim. Eu queria dizer das coisas da vida que eu via, percebia. E foi maravilhoso como aí, neste exato momento, nos tornamos os maiores amigos. Confidentes. Amantes. Compartilhamos tudo, até aquilo que nem imaginava que eu tinha. Acho que é esse o efeito mesmo do amor. A gente se descobre mais por meio do outro. Ele nos mostra o caminho pr(d)a gente mesmo...

Ainda continuo lendo 5 ou 6 ao mesmo tempo. Por vezes paro uns instantes, que se tornam até meses de intervalo. É ótimo! As conversas são verdadeiras, honestas. Eu silencio quando necessário, deixando aquelas letrinhas descerem pela garganta que nem as sopas de criança. Às vezes eu fico brincando com elas na xícara. Remexendo dali e daqui, esperando o sentido daquilo tudo acontecer em mim como mágica. Desisti de entrevistar livros. É chato, massante. O repórter sempre crê que tem razão e conduz a pseudo-conversa para caminhos que ele acha que conhece. Ele se traveste de humilde. Mas nunca deixa os livros falarem de si. Deixei disso. Até na leitura mais acadêmica (pura entrevista!!!!) não faço mais.

O fato é que muitos livros me deixaram com o gosto de fim de festa. Eles dizem coisas que eu adoraria ter dito. Algumas eu disse. Mas não publicamente. Covardia, timidez, imaturidade? Um pouquinho de cada é justo. Ficaram ali nos escombros dos meus caderninhos ou dos guardanapos de bar manchados de cerveja. Cheguei tarde. Só pude ficar com aquela sensação de "ah... que bom que alguém teve coragem de falar." Thoreau e F. Pessoa tem muito disso pra mim. O Caio Abreu também. Acho que é justamente por isso que eu consigo (e adoro) conversar tanto com eles. Não é porque pensamos as mesmas coisas, ou sentimos. Creio que é justamente por ter a sensação de chegar atrasados.

Nesse sentido a leitura é mais solidária. Não leio pra me preencher. Nem pra me esvaziar. Leio porque adoro uma boa conversa. De bar, de café, de chá ou mesmo de um chimarrão quentinho de manhã, como fazia o meu avô conversando com os jornalistas da Zero Hora, pontualmente às 6 da matina, com vento minuano e tal. É um jeito gostoso de me livrar do lixo daqui de dentro, de fora. É uma forma carinhosa de conviver com as minhocas. Um jeito bonito de (me) livrar mim - recorrer aos amigos.

Um comentário:

Trovador disse...

Me parece interessante como enquanto você escreve suas minhocas se mantém controladas, ou ausentes! rsrs
Interessante pensar que elas que te penetram tanto como na terra, em teus textos não são meras coadjuvantes...

é isso..:P

beijos!