domingo, agosto 27, 2006

buscando e encontrando

Eu tenho falado com Deus. Não sei o que ele é, ou o que é. Tenho falado pouco, bem menos do que antes. Mas acho que as conversas diminuíram porque mudei o modo de vê-lo. Na verdade eu não o vejo mais. Há bastante tempo.

Ainda tenho vontade de sentar com ele pra tomar um café e ter uma daquelas conversas. Mas imagino que, dependendo da conversa, do desdobramento dela, poderia convidá-lo pra tomar um whisky, bem velho (ele deve ter um desses bons!).

Eu tenho percebido essa coisa chamada Deus de outro modo. Tenho, com o passar do tempo desumanizado a sua existência, deixado que ela atinja, de fato, a esfera do mistério. Tenho deixado de entender, de querer explicações pra isso ou pra aquilo. Eu tenho me distanciado. Mas não dele, mas disso. Dessa tentativa infantil, adolescente, quase prepotente de querer, de exigir que ele me dê explicações. Engraçado como eu sempre digo às pessoas que Deus é um cara ocupado e como, de um modo tão arrogante, exijo que ele estejaa à minha disposição. Tem sido revelador.

Muita coisa tem acontecido esse ano. Mudanças dali de fora, daqui de dentro. Das fronteiras. De tantas coisas. Eu nem sei como medir isso, como articular essas renovações. Não tenho conseguido tempo suficiente para olhar pra elas. Nem sei mesmo se vale a pena. TEnho procurado Deus aqui dentro. Ali fora. Tenho ficado atenta aos mistérios das suas aparições.

Às vezes, no meio de uma crise existencial ou de sei lá mais o que (as crises não são todas existenciais? pra que ficar dando nome a elas?) eu chamo Deus pra tirar satisfações. As palavras de ordem giram em torno de coisas como assim? Você não vai fazer nada a respeito Dingníssimo Criador? Onde está a sua Onipotência? Nesse mesmo momento fico imaginando a cara dele. Pera aí, essa mortalzinha desse planeta meia-boca está assim mesmo comigo? Quem ela pensa que é?... Conforme eu mudo as perguntas, o ritmo da respiração, deixo a raiva ir embora, as respostas vão mudando.

De algum modo misterioso ele sempre responde às minha perguntas de modo surpreendente. Muitas vezes ele se cala. Fico minhocando se ele faz isso de birra. Se é o caso de me provocar. Mas aí me lembro que ele é um cara ocupado. Muito. Resolvo ficar no silêncio. E toda vez que aceito o silêncio de Deus, consigo reconhecer o seu mistério atuando. As respostas nunca vêm quando quero, no prazo exigido. Com as assinaturas e cópias autenticadas. Os carimbos são outros. É sempre, surpreendentemente, diferente.

E acho que a graça está aí mesmo. Eu ainda quero chamá-lo pra sair. Será que vai ser um encontro interessante? O que eu poderia perguntar? Ele já sabe de todas, se é mesmo onisciente. Como eu deveria ir? De qualquer jeito. Se temmesmo a ciência de tudo, ora. Que perda de tempo em me arrumar. Ele sabe o que eu tenho de mais feio, de pior. Sabe do horror de mim que cultivo. Nós tomaríamos um chá de camomila, pra acalmar a minha ansiedade? O que Deus tomaria?

Às vezes visualizo um cara velhinho, simpático. Baixinho de tudo, que dá um riso de canto de boca e olha por cima de um óculos com lentes fundas. Será que Deus reagiria assim se lesse isso? Certamente ele leu, mas não percebi a sua reação. Não conversamos sobre isso.

Fico, nos meus devaneios pensando se esse encontro não seria apenas uma experiência contemplativa. Eu adoraria. Sem pensar, sem entender, sem querer. Só sentir. Em silêncio. Mas ainda me falta uma coisa muito primária pra isso: saber esperar.

Enquanto isso não acontece eu faço os meus ensaios de prece - não sei mais como rezar. Afinal ele sabe de tudo o que se passa comigo, sabe o que eu preciso, o que eu desejo. O que me faz sofrer e parar. O que eu digo? Não sei mais repetir o repertório apreendido em anos de religião - católica e espírita. Não sei mais como rezar. Tenho dito isso a ele. Mas não tive resposta. Será que ele também não sabe o que me dizer? Há algo a dizer?

Toda vez que meu coração aperta ou que eu me sinto profundamente solitária. Só, esquecida e perdida, o chamo. Num pedido de socorro muito meu mesmo. Outro dia o convidei pra tomar um chopp num bar à noite. Precisava muito falar, chorar. Mas ele estava ocupado salvando o mundo. Falar com Deus pessoalmente deve ser como namorar o Superman - você não sabe onde ele está quando o chama, mas de repente um outro aparece com roupa esquisita e faz o seu papel. Nessa noite tinha deixado as minhocas dormindo. Deixei elas com o Juliano. Acho que fiz bem pra elas. Não sei se o Juliano tem a mesma sensação - creio que não. Ele, na verdade tem andado muito com as minhocas. Não sei se é uma boa companhia. Ou será que ele simplesmente tem conversado - e descoberto - as dele?

O fato é que Deus não pôde me acompanhar. Fui ao bar com a Fabiana. Tomamos algumas cervejas, falamos de dança, da vida. Da dor e dos medos. Disse a ela como me sentia lúcida nas minhas sensações. Como estava conseguindo trabalhar toda a minha lista (interminável) de desejos de melhora interior. Como eu percebia as coisas acontecendo, saindo de mim. Pra fora. Pro mundo. Ela riu, disse que percebia também. Eu adorei ter tido aquela conversa. Depois quando fui deixar a Fabi em casa (umas 3 da manhã?) voltei ouvindo um jazz especial na Rádio Cultura - é sempre especial essa rádio em momentos existencialistas... - estava meio chateada ainda. O coração doía. Eu não sabia bem como voltar pra casa, como pegar no sono. Parada nos faróis de madrugada, pedi a Deus que me protegesse dos assaltos malucos de SP. Mas ele devia estar ocupado mesmo.

Quando estava chegando na garagem do prédio, senti um calor no coração. Um respirar mais suave. Agradecia a ele naquele momento de ter mandado a Fabiana em seu lugar. Havia perdido a chave de casa, e o Juliano abria a porta já que ele deveria estar abrindo outras portas, em outros lugares. Fui escovar os dentes, e na penumbra do meu rosto no espelho comecei a perceber que há muito tempo ele tem saído comigo. Tem me acompanhado mesmo. E sabe de tudo o que eu preciso, do que me faz sofrer, do que me dá medo. Me dei conta que ele tem uma série de informantes (como qualquer serviço de inteligência) e operadores. Eu os conheço como meus amigos. Os danados contam tudo pra ele. Sem segredos.

Ele bebe qualquer coisa, chá de camomila, suco, cerveja, vodka. E não fica trilili, o que é muito melhor. Conversa de todos os assuntos e sabe me aguentar quando estou um saco de pessoa. Sabe como me abraçar. Quando me telefonar - lá da Alemanha ele tem ligado ultimamente - e que delícia! Sabe quando mandar flores, um bilhete romântico e me presentear com o livro do Caio Abreu (o meu favorito) Pequenas Epifanias. E que manifestação mais concreta da sua existência. Mais sutil, mais articulada e verdadeira. Fazendo com que eu mesma me dê um nó e me perca naquilo que não é essencial. Falta saber esperar mesmo.

Ontem, antes de dormir o sono cansado, doído no corpo e no coração fiquei namorando o Caio Abreu e as suas pequenas e grandes epifanias na minha vida. Não vi o Juliano chegar. Nem o telefone. Nem Deus. Mas dormi com ele. Com um cafuné bem tranquilizador de que os mistérios, por mais que a gente se canse de querer, não têm mesmo explicação. E que um dos seus representantes de primeiro escalão disse, há bastante tempo, buscai e achareis.

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