quinta-feira, agosto 24, 2006

espacializando

Esse é certamente um tema que faz parte do meu imaginário desde muito nova. Sempre amei o espaço. Esse mesmo - o escuro com as estrelas brilhantes e os planetinhas minúsculos ao redor.
Meu pai foi o mentor dessa paixão, imagino. Não sei bem se é um padrão, mas quando criança, queria ser astronauta. E das boas, que manjava tudo de matéria e anti-matéria, de viagem no tempo, enfim. Só havia um lugar pra mim nisso. Os filmes de ficção científica.

Meu pai, mais uma vez se encarregou de providenciar o instrumental dessa aventura que até hoje é infinita. Me recordo bem de comprar pra mim livros com imagens do espaço, dos planetas (ele fazia uma "chamada oral" pra saber se eu já tinha decorado todos eles. Sempre acertava. ), de me dizer quais as ciências estavam relacionadas à astronomia. Eram conversas longas, sempre diante da televisão. Ficavam mais filosóficas e reticentes quando o cenário ao fundo era um filme do Jornada nas Estrelas. Eu era apaixonada pelo Spock. Na paixão mais infantil - admirava aquele ser de orelhas pontudas que se debatia entre ser um super cientista cheio de lógicas e um ser humano completamente idiossincrático. Adorava ver as discussões dele com o Dr. Mackoy. Inesquecíveis. Meu pai explicava do que tratavam e eu já conhecia a Física do Jornada nas Estrelas aos 7 anos de idade. Ficava me achando perto dos meus colegas.

Uma vez meu pai foi explciar os movimentos do planeta Terra. Nosso planeta era uma laranja, já descascada. Ele rodou, rodou com ela pra lá, pra cá. Eu acompanhava aquela laranja imaginando que deveria haver ali milhares de microorganismos que não tinham a menor idéia do que ocorria ao redor deles. Nem que movimento faziam, nem diabos onde estavam. Fiquei tonta vendo aquela população toda rodar. Entendi perfeitamente os movimentos da Terra, e a nossa alienação completa do espaço ao redor. Me identifiquei com os bichinhos invisíveis ali. Mas fiquei com medo da minha piração toda depois que vi o meu pai comer o planeta. Afinal, era só uma laranja.

Mas a grande revelação, o grande milagre veio aos 6 anos, quando assisti pela primeira vez o Star Wars. Na Rede Manchete. Nunca esqueci. Meu pai tinha dito vendo uma chamada ah! esse filme tu vai gostar muito! Depois disso virei a clássica fã que assistiu os episódios sei lá quantas vezes, comprou uns bonequinhos, sabe os diálogos decor... enfim. E até apresentou um seminário na faculdade sobre isso. Foi a consagração.

Mas voltando ao tema do espaço. O início do Jornada nas Estrelas é sempre aberto com a fala do Kirk "o espaço, a fronteira final. Essas são as viagens da blablabla"... (eu sei a frase, mas deu preguiça de escrever!). Nunca pensei o espaço como fronteira. Até sentir isso na pele.

Quando escrevi o texto sobre a Clara, minha irmã me dei conta disso. Ele é de fato uma fronteira. Estabelecida por nós, eu creio. Ontem à noite me dei conta disso, imagino. São tantos os espaços que a gente constrói e que constroem pra gente no convívio que, uma vez desatento à essa contrução (nada científica, mas muitas vezes fictícia), somos defrontados com fronteiras alheias. Naturalmente.

Percebi ontem a construção de fronteiras do Nosso. Mas não tinha ainda me dado conta de onde exatamente elas estavam. Algumas tinham arames farpados. Outras eram feitas com cerquinhas mais suaves, parecidas com as do Lego. Outras ainda invisíveis. Outras completamente abertas, sem divisões. Fiquei olhando pra elas todas, numa tentativa (promovida pelas minhocas, certamente!) de mapear as suas linhas e curvas. Não deu.

Depois fui dormir com o coração apertado... eram fronteiras de onde que se expremiam mesmo? Não achei, não podia ver as linhas delas. Mas dormi com isso. Fiquei pensando, pensando. Deixei as minhocas falarem dessa vez. Talvez tivessem razão. Em meio à madrugada ficamos conjecturando sobre as teorias sobre o espaço, o espaço curvo, a geografia que discursa sobre a territorialidade. Enfim... Aí nos demos conta que, numa divagação da física, o tempo não existe mesmo. Só o espaço. E que ele pode se curvar. De dentro pra fora da gente. E o contrário também.

Me lembrava nessa piração coletiva da velocidade da luz do Star Wars, do hiperespaço, da dobra espacial... tantos termos do universo sci-fi que ria com elas revendo isso. Era bem engraçado poder ali, no silêncio completo da noite, remontar as minhas teorias bobas sobre a existência, sobre o universo. Uma das minhocas (essa é, penso, a única de fato bem-humorada) me lembrou do Guia do Mochileiro das Galáxias... essa nossa insignificância tão prepotente no meio do universo... só rindo mesmo. Mas tudo isso pra dizer que eu ficava remontando aqui a minha definição de espaço, tentando dilatar nela, a própria compreensão do meu limite.

Hoje cedo. Depois de um acordar lento, devagar, preguiçoso e ainda apertado o coração, olhei bem para o Juliano. Ele ainda tinha os olhos fechados, aquela cara de soneca gostosa. Olhei o espaço entre a gente, tão pequeno. Olhei o quarto, menor ainda. A nossa casa. Dimensionava a minha astronomia nesse microcosmos tão infinito, caótico. Cheio de possibilidades. E o espaço? Havia possibilidade de espacializar o amor? O querer? A saudade? O desejo? Havia como estabelecer uma fronteira demarcando os limites? Onde eles estão aqui. O Juliano procurou depois, no café da manhão, contemporizando a minha conferência minhoquenta da Frota Estrelar. Não sei se ele achou alguma coisa. Mas eu achei um espaço, aqui, no Nosso, que só dilata, amplia, infinita tudo. De dentro pra fora. E dele pra mim.

Acho que ainda vou continuar vendo os meus filmes, repetindo o Mestre Yoda, sem me preocupar com a pedra, com a nave, com o tamanho e o lugar das coisas. Afinal, tudo depende mesmo do referencial.

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