quarta-feira, agosto 16, 2006

Nelsinho

Tenho reencontrado alguns amigos de muito tempo. É inevitável que se tenha um sentimento nostálgico (pelo menos eu tenho) em relação a essas coisas. Outro dia me peguei olhando fotos, antigas, de criança ainda, com o coração apertado. Ri. meio cafona, talvez.

O fato é que neste último final de semana eu pude ver um muito especial - o Nelsinho. Eu adoraria poder falar dele com propriedade suficiente para se dar uma mínima noção do que é este homem. Eu o conheci há quase 14 anos, morava ainda em Santo Amaro e a sua aparição (o termo é esse mesmo) na minha vida se deu pela minha mãe. Mãe tem esse poder de trazer milagres na vida da gente.

Pois bem, eu era ainda uma menina e ele tem a idade da minha mãe. Chata, super ansiosa (isso mudou bem pouco) e adorava falar (acho que isso também não mudou...) e aquela figura ali, silenciosa e com um olhar atravessador encontraram a Thais que eu procurava.

Os primeiros anos de amizade e convivência despertaram um sentimento profundo de amor, admiração. Não pelo fato dele ser deficiente físico e artista plástico - essa combinação, além do item espiritual, podem ser facilmente apelativos. O ponto do Nelsinho sempre foi, pra mim, como ele conciliava o furacão interior com a limitação do corpo. Sempre que eu vou lá - até hoje - me pergunto como é possível essa conciliação, dolorosa, impiedosa com os achismos da gente. Eu nunca consegui essa conciliação. Sempre me achava num corpo limitado, com cabeça limitada a tudo aquilo que eu desejo ter, conhecer.

A solidão sempre foi um outro ponto forte da gente. Não uma solidão dos amigos - embora ele fique muito tempo sem ver as pessoas justamente por não poder mais sair de casa... Mas falo dessa solidão aqui, quietinha, miúda, que parece casquinha de ferida. De repente batia aquele silêncio, o vazio. Um lamentar pelas coisas estarem assim, não do jeito que eu (pretenciosamente) queria. Acho que o único amigo que de fato entendeu isso, ou melhor, foi meu cúmplice, foi o Nelsinho. Eu não precisava explicar nada pra ele, nem descrever, nem dizer como me sentia. Ele sabia. Sempre soube. De saudades, de coisas que passaram, que vão se passar, que nunca vão passar. E daquelas que estão passando...

Sempre saio de lá com medo que seja a última vez que o veja. Eu não consigo me organizar pra vê-lo mais durante o ano. Mora longe. As visitas a ele nunca são visitinhas. São eventos, conferências, congressos, festas nacionais. É um feriado em mim. Um ritual que adoraria ter mais.

Os telefonemas são do mesmo jeito. Nunca liguei pra ele pra dizer "oi, tudo bem? queria saber como você está" Isso definitivamente não funciona. Recordo de uma época em que nos falávamos toda a 5a. feira. Sempre chegava atrasada no ballet. Sempre. Até um dia que a minha professora brincou comigo dizendo "hmmm, tem homem no meio dessa história"; e de fato tinha. Ri muito em sinal (confesso) de consentimento. Daria trabalho demais pra explicar.

Estive lá esses dias. Impressionante como a permanência ao lado dele é uma experiência atemporal. Não vejo o mundo de fora, sol, lua, frio, calor. O restante parece silenciar nesse encontro milenar. Sinto saudades dele. Mas é uma saudade engraçada, diferente, alimentada com uma distância quase cultivada pela simples impossibilidade de uma amizade cotidiana, superficial.

Eu não sei quando vou vê-lo de novo. Nem sei quando a gente vai se telefonar. Pode ser qualquer dia, qualquer hora. Pode ser sempre. É o tempo todo.

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