sexta-feira, agosto 18, 2006

ultimato

Essa semana, depois de todo inferno astral e tudo o que eu tinha direito encontrei o chefe dele.
Não era uma minhoca, nem muitas. Nem sei que ser era esse. Mas sei do que ele é formado. Um demônio (no sentido grego mesmo, não o capetinha vermelho e chifrudo) repleto desses sentimentos estranhos e esquisitos que a gente teme.

Nem vou me dar ao trabalho de explicá-lo, descrevê-lo. Enfrentei-o. A luta ainda não acabou. Mas foi erguida uma bandeira de finalizações. Não foi de trégua, mas sinalizava a exaustão completa das tropas. Acho que estou pensando em mudar de estratégia. Um abraço? um chamego e ele se assenta? Ou uma bitoquinha marota no nariz?
Não sei. Quem sabe um exorcismo daqueles! Ou nada disso e só o profundo (e mortal) ignorar. Os egípcios quando queriam destruir alguém o faziam bem: no mundo dos vivos e dos mortos, para que nunca mais pudesse voltar. O nome era então apagado e a inexistência anunciada pelo esquecimento, pelo desaparecer na matéria, pelo vento que levava a memória pra sempre, para o nada.

O Juliano (de novo) esteve na infantaria, machucada e cansada dessas batalhas epopéicas, nada heróicas. A distância dos soldados estava ali, aparecendo em meio à fuligem. Eu me engasguei com a fumaça toda. Meus olhos arderam e fiquei cega, me desesperei por achar que estava perdendo a batalha. Uma vez ouvi num filme: "o que um guerreiro faz quando perde a grande batalha? conquista pequenas batalhas." Fiquei pensando qual era o tamanho da batalha. Depois percebi que no meio da luta, essa é de fato a última coisa que você vai se preocupar. Pelo menos, uma guerreira em treinamento, em formação. Sem heroísmos. E me larguei dos estratagemas cerebrais fracassados.

Perdi a noção do tempo, do espaço, das palavras. Entrei em curto com a cabeça. Ela silenciou, na sua loucura devoradoram me comia com aqueles dentes de presa assassina. Perdi o corpo.

E quase foi tarde demais... recebi um ultimato. Um chamar de lucidez, de controle, de ciência do amor. Da paz que eu não tinha. E enquanto a fuligem sumia e eu tentava respirar de novo, via, lá longe, o Juliano. Só, esperando. Curvado depois de lutar com o chefe do pesadelo. E eu prostrada. sem forças, cheia de culpa por deixá-lo. Era uma visão de finalmentes, embora eu não soubesse ainda o que estava, de fato, terminando. Nada parecia fazer sentido. A cabeça tinha parado, com todos os meus demais sentidos juntos. Paralisia cerebral aguda, machucando o restante do corpo amortecido. Eu não podia mais chamar o Juliano. Ele não ouvia. Gritava daqui. Nada. Tentava esboçar um gesto, uma expressão. Ele estava longe demais pra perceber. E o demônio ali. Prostrado como eu, mais forte, maior. Mas também exausto.

Consegui despertar o corpo abrindo as cortinas de lágrimas, transparentes, que deixaram o verdadeiro ressurgir, lavaram a poeira da fuligem, tiraram aquele cheiro de putrefação do meu corpo. L(a)evaram os cadáveres de outros corpos de mulheres fantasmas pra longe. Sem Elísio. Eu não via mais ninguém ali. Nada, nem mesmo o demônio e seus comparsas. Só o Juliano. De novo, me esperando, cansado.

Fui até ele. Percebi que ele não havia saído do lugar na esperança de que eu pudesse voltar. Ele queria isso. Mas não podia se desparalizar por mim. Esperou. Estendeu os braços e me deu a mão. Só o dedinho da mão esquerda. Eu, sem forças, estendi o meu. E os dedinhos ali selaram um acordo de armistício dos sonhos. Não havia mais sons, ruídos. Nem fumaça. O sol saía tímido buscando seu lugar nos nossos corpos, até cuidando de se certificar que só havia mesmo nós dois ali. E havia. Ficamos nos olhando ali. Quietinhos com os dedinhos entrelaçados. Sentia o restante do corpo respondendo ao chamado dos olhinhos pequenos. Ganhei um beijo adocicado com o "eu te amo" que só ele sabe dizer.

E voltamos pra casa, depois do pesadelo, depois da fumaça e dos engasgos. Depois de deixar o campo de batalha no passado, querendo outras paisagens no futuro. Mudei a pontuação embora a caneta quase tenha escorregado no ponto final, querendo ser uma vírgula sem graça e traiçoeira pra história continuar. Eu ainda faço força com a mão. Seguro com todos os dedos suados - em cima do meu calo mesmo - a caneta firme. Foi o ultimato. O fim. Pedi ajuda das mãos dele pra me ajudar nessa pontuação. É inscrustrar o papel com ele, como uma adaga, matando de vez a página, sepultando tudo o que não importa. Para começar a escrever com suavidade, em outro papel, uma outra história de caminhares. Acompanhados e de mãos dadas. Com todos os dedos abraçados no corpo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Faz um tempinho que leio seus posts. Adoro a maioria(rs). Muito bom esse seu jeito diferente de ver as coisas...
Uma vez me disseram que faz bem ao escritor saber que tem "fãs"... Por isso estou aqui, espero que não se importe.
Beijos