terça-feira, agosto 08, 2006

passeando de trem

O Juliano ontem, no metrô, dizia que preferia os texto que não explicassem tanto, mas que convidassem o leitor a fazer um passeio de trem. Comigo. Em mim.

Curioso como essa imagem ficou no meu coração, mesmo depois de toda a história com as minhocas. Me dei conta agora que nunca levei as minhocas pra passear em mim. Só de carro aquela noite. Acho que ninguém nunca passeou por mim. Somente o Juliano. Ele conhece as bocadas mais escondidas da Thais, aquelas que eu mesma nem faço idéia de como chegar lá.

Mesmo cansado ele continua mostrando os caminhos da Thais. É curioso como ele faz isso sem perceber. Ele revela, silencia o tumulto daqui. Lembro que há dois anos atrás quando nos conhecemos ele me convidou um dia pra fazer um passeio de trem. Foi em finais de junho, começo de julho, não me lembro da data certa, mas ainda tenho o email. Nem fomos, pois viajamos com o Flavio ao Vale dos Lagos. Uma delícia de passeio. De certo modo, acho que o passeio de trem começou ali, bem devagarinho ainda. Depois de um tempo, quando finalmente ficamos juntos, namoramos, noivamos, casamos, o trem oscilou nas velocidades, nas curvas, nas subidas e nas descidas. Ainda estamos vagando nele. Mudamos de cabine, esquentamos as fornalhas. Por vezes ficamos quietinhos ouvindo os apitos dele e observando as fumaças se espalhando no céu...

A viagem, sinto, mal começou. Ela foi bem turbulenta nos últimos kilômetros, mas tem prosseguido com a vontade dos passageiros. Mesmo cansados. Mudamos de lugar, de posição nos bancos, que nem sempre são acolchoados e confortáveis. Ficamos conversando, vemos TV, ouvimos música. Economizamos no serviço de bordo. Esses dias nossa cabine ganhou cortinas. Foi muito bom porque entrava muita luz no vagão, esquentava nos dias quentes. Passo o dia olhando as cortinas e pensando como aquela transparência branca permite o ar circular, o cheiro do mundo entrar aqui no nosso mundinho. E que a gente pode dormir e ficar o tempo todo de janelas abertas pro mundo. Isso inclui o coração. Acho que o Juliano tem mostrado nesses passeios recentes que eu preciso colocar cortinas em mim. Não pra esconder, mas para arejar, deixar a luz entrar calmamente, sem agressão, o ar ventilar e espantar as minhocas. Talvez seja aí o ponto das minhocas: nem luz demais para elas não cavarem mais fundo, nem de menos para não se alastrarem. Moderação.

O Juliano tem trazido lembrancinhas de presente nas estações que paramos. A mais preciosa delas é a paciência. Até de saber esperar ele voltar com ela. Eu tenho guardado ela aqui, bem no interior da cabine. Tenho mostrado ela pras pessoas que vejo na janela durante a viagem. Tenho colocado ela pra enfeitar a cabine. Ela é ótima pra fazer o coração dormir. Nunca pensei de ganhar isso do Juliano nesses passeios.

Ele tem trazido diversas coisas, como eu disse, mas o passeio pela Thais é a melhor viagem que eu poderia ter feito, mesmo sem nunca ter saído do país. É uma viagem profunda, no tempo. E pelo espaço. Cheio de coisas por descobrir, por experimentar. E seria entediante (e mesmo impossível) fazer isso sozinha. Sou grata.

E entendo o cansaço dele. Ser guia turístico não é trabalho tranquilo, fácil. Exige, ainda mais se o passageiro é exigente em si e consigo mesmo. Está acostumado a viajar por superfícies, sem obstáculos e em cadeirinhas almofadadas. Mas quero continuar a viagem, com ele. Vendo estrelas de madrugada e sentindo o ar entrar pelas cortinas, safadinho, de manhã cedo, de mãos dadas com a luz do sol. Despertando com a ternura das transparências, dos beijos, dos mimos, que, mais uma vez, só o amor pode dar.

E o caminho? os trilhos? putz... eu acho que viajamos sem mapa. Que delícia...

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