terça-feira, julho 22, 2008

os 2...

Ao ficar com vontade de escrever sobre o Nosso, me dei conta do número da postagem... 222. Acho graça ainda e consigo me surpreender com as coincidências.

Esses dias depois de umas discussões, questões e avaliações, fiquei remoendo umas lembranças. Pensando no que seria, no que é. Em como será. Sempre que as coisas pareciam confusas essa tranquilidade de-nã0-sei-onde aparecia. Sublinhada com o 2, 22. Eram 22 hs quando ele ligou, quando eu mando um msn malcriado, 11:22. É bom notar essa permanência depois de se dizer cética. Em relação a uma série de coisas.

Eu sempre me surpreendo com o Juliano. Fico pensando uma vez que ele me disse que pra ele, eu era a sua primeira namorada. E ri - afinal namoradas é o que não faltou no currículo dele - achando essa fala uma mistura de quero-te-agradar com eu-não-sei-o-que-dizer. Mas depois, observando e comprovando o que ele insistentemente me dizia "ninguém nunca teve tanto de mim", me deixando perceber as sutilezas do que é ser a primeira namorada...

Engraçado como isso ainda me pega. Ontem mesmo, depois de fazer um melodrama por telefone, bancando a sabidona e a que sempre tem razão eu fui desmontada por essas demonstrações súbitas, inteiras dele. E mais que isso: ainda me admiro com a intensidade desse despojar-se dele. Para um sujeito fechado, com as suas crises e as necessidades de espaço e tal, mergulhar assim, do alto, causa estupefação.

O mais estranho é que essa constância de renovações e inteirezas fractais do Nosso ainda me deixam muda. Sempre fico achando que essas fissuras são profundas, que as coisas vão se abalar. Nesse sentido, a romântica aqui é a mais cética. Cega, pra ser mais precisa.

E sou surpreendida. Todos os dias. Nem sempre falo. Afinal, dizer nunca é mais fácil. São quase 4 anos. E toda vez que eu penso que a peça vai acabar uma platéia inteira dentro de mim aplaude esse artista. Que me encanta. Me faz rir, e me move. A melhor sensação é poder se surpreender num relacionamento. E se perceber diferente de duas horas atrás. De dias, de meses. De sempre. É deixar que a rotina traga uma constância desigual. Inteira.

Há pouco abri os emails. Sempre tem uma notinha ali. Uma mensagem no celular e essa coisa toda de (primeiros) namorados. Que fica. Que cresce. Que surge de dentro pra fora. Sem as prescrições de uma exigência mal compreendida. Gostei de acordar com esse corpo...

E por mais que o dia seja esse, outro, intenso, duro, cheio, mal, ou qualquer outra coisa que comprove meu ceticismo... é bom saber que as surpresas não tem aviso prévio. Que não se programam ou encomendam... mas que são vividas. Sempre, no meu silêncio. Em mim. Em ti. No Nosso.

Read More...

segunda-feira, julho 21, 2008

Há alguns dias a Filó está mal...Nunca achei que fosse ficar tão envolvida com uma gatinha dodói.

Foi um corre daqui e dali pra hospital e farmácia e toda essa coisa de semi-maternidade. Na semama passada dei de cara com a Lina na porta. Miando. Chorando e pulando no meu pescoço... mexeu bastante. Tive que devolvê-la para a dona com aquela cara de quem não fazia o que queria. Ela percebeu.

Prenúncios a parte, estou preocupada com essa fraqueza e mistura de febre e mal estar e mal sei lá-o-que-ela-tem... enfim. A gente ama mas não faz mágica. Custou ficar à mercê de um hemograma cheio de números indecifráveis e segurar a pequeninha no colo toda molenga.

Mas o pior do hospital de animais não foi ver a Filó assim. Depois ela ficou melhor, se recuperou um bocadinho... Assistir as pessoas apegadas aos seus animais me deixou mais aliviada em relação a tudo o que eu vivi com a Lina - e venho vivendo agora com os dois gatos. Não sei explicar isso, nem sei se terapia resolveria esse mistério. Mas naquela noite chegou uma cachorrinha com os médicos do resgate. Tempos depois, a dona. Vi os olhos agoniados das duas. E um pouquinho mais de tempo depois a dona subiu. Fiquei ali agarrada com a Filó no colo torcendo para que todas as coisas boas acontecessem com os dois bichinhos.

Nada. Silêncio. Aquele clima de sala de espera de hospital. Nada diferente dos humanos. Ou seria a nossa semelhança animal? Fragilidade física. Do sentir. A Filó ardia em febre e eu ali tentando pensar nas coisas boas e que eu não perderia outra gatinha. Fui acordada do meu transe pelo choro doído da dona da cachorrinha. Me apertou o peito. Eu já sabia o que era. Alguns dos donos se olharam na recepção. Mais silêncio. E aquela solidariedade cheia de medo de que a cena se repetisse naquela noite.

Não consegui dizer nada. Fiquei ali revivendo a Lina, os aparecimentos súbitos dela na minha porta e os carinhos trocados. Revivi o dia que os dois chegaram em casa. E olhava a Filozinha toda frágil no meu colo. Como dá vontade da gente fazer milagre!

Fiquei - loucamente? - pensando nos meus pais comigo e meus irmãos pequenos em cenas parecidas. Sem saber. Esperar. Rezar. Acreditar. Acho que nessas horas faz sentido a palavra fé. Não se explica o acreditar. Mas se acredita. Não há nada teórico - nem prescrito. Há o sentir. Pensei. Olhei aquele corre corre dos médicos. A dor. Papéis de internação. Custos. Fiquei pensando porque a gente se importa mais com esses pequenos do que, muitas vezes, com outros humanos como nós. Será uma necessidade de poder-fazer? E não se pode nada nenhum.

Fiquei humanamente animalizada. Sensação de impotência, cumplicidade. Saí de de lá chorando e me dando conta que - de fato - mais uma vez, a gente não controla nada. Nunca. Fiquei com vontade de resolver o problema de todo mundo e fazer a Filó sair pulando de novo. Passei a noite em claro vendo como ela reagia. Se comia, tomava água, ficava bem. Se miava. No dia seguinte tratei de dar outro geral na casa antes de voltar ao hospital. Mas não deu. Passei o domingo trabalhando aqui pra tirar a poeria e deixar tudo bonitinho pra ela.

Estou desde aquele dia velando essa gatinha. Achando mágico essa vontade de cuidar. De fazer. De melhorar. E me estranhando com esse universo paralelo dos humanos: expostos à vida como qualquer outro animalzinho frágil. Que não sabe o que o espera. E dizendo que entende. Que sabe, que quer e faz...


Read More...

quarta-feira, julho 16, 2008

Acordei hoje com a Filó me puxando os cabelos. Achei tão bonitinho esse acordar. Acho que entendo porque os solitários sempre tem animais de estimação. E entendo o estágio mais avançado de se ser só. Não é preciso nem isso. Fiquei um tempo com ela na cama e depois vi os dois rolarem pra cá e pra lá se fazendo carinho e brincando.

Sempre esse cotidiano me deixou meio encantada. Não gosto de rotinas, mas gosto de uma permanência na vida. De coisas que se repetem, com serenidade. E que se constroem aos poucos. Levantei e vi a casa de pernas pro ar. Cheia de pó branco de tinta e massa. Uma poeira bonita que dançava com as luzes do sol e o prisma da janela que, apesar de esbranquiçado, ainda refletia... Achei tudo isso meio mágico, uma coisa de achar bonita a destruição.

Nunca me incomodei tanto com sujeira como nos últimos dois dias. Mas apesar da reclamação, estou achando bom ficar na minha toquinha. Sem precisar me expor ao mundo da sala de aula. Essa madrugada fiquei fuçando na internet... resolvi procurar o Charles. Meu antigo professor de literatura. Vi um blog dele, mas sem nenhum contato. Tinha apenas uma foto. Fiquei me lembrando das aulas e das músicas que ele cantava. De todas as coisas que ele passou. Dos lançamentos de livro. De presenças e ausências. E lembrei que ele nunca mais escreveu, deu notícia. Por muito tempo eu fiquei pensando porque isso tudo tinha acontecido e se tinha um mistério nesse desaparecer.

Mas no meio do café da manhã na poeira da sala eu me lembrei que muitas vezes o sumiço é mais presencial. Sumi de algumas pessoas. E sei porque. Senti saudade dele, de ser aluna de novo. Fiquei me lembrando se depois eu tinha encontrado um professor parecido... e de certa forma a minha adolescente idealização dele se transmutou num silêncio. A gente conversava pouco. Mas era o suficiente. E vi de novo depois as fotos. Os livros e as dedicatórias. Achei graça dessa passagem de tempo que ao mesmo tempo congela as vidas das pessoas em lembranças. Fiquei com vontade de tomar um café com ele e contar tudo o que se tinha passado em tantos anos.

Mas percebi que esse café não era necessário. Quando a gente conhece o outro sabe diagnosticar nas feições do rosto as coisas que mudaram. As que foram escondidas. E outras apagadas. Me deu vontade de falar disso depois de reclamar do meu excesso de sensibilidade. Ele era uma das pessoas que valorizava isso. Mesmo reconhecendo o quanto ele estava endurecendo com a vida. E não era conselho de professor mais velho. Ele via algo nisso que me dava a sensação de ser compreendida. Ora, para uma adolescente sem auto-estima: grandona, de cabelos enrolados e que gostava de ler coisas estranhas na época... nada mais adequado. Esse acolher dele sempre me deu vontade de retribuir. E de alguma forma, é o que venho fazendo na sala de aula com os meus alunos. Na medida que posso. Que aprendo. Que vejo e sinto. Engraçado como uma inspiração pode transformar tanto assim... e atravessar as eras da idade da alma.

Fiquei a manhã nostálgica. Com saudades das peças de teatro. Das brincadeiras com p Pico, dos meninos do MIR. Me deu vontade de voltar no tempo e saber lidar com esse sentir todo, sem me machucar tanto. Era mais simples. Desafios mais generosos. Sem dor. Eu sabia o que queria. Mesmo que não soubesse quem era. E hoje, sabendo mais quem sou, sei menos o que quero. Ou sei todo fragmentado dentro de mim. Será que o Charles teria algo mais a ensinar? Sobre o baú de ossos? Sobre ir, vir, sumir. Sobre não entender...? Acho que procurar o nome dele na internet foi um pouco essa tentativa de descobrir uma receitinha. Mas esqueci da grande dica de ontem: terapia. E vamos nessa...

Read More...

terça-feira, julho 15, 2008


Me armando. De mim.

Type rest of the post here

Read More...

Chego em casa de noite e não tem ninguém. Achei tão bom e tão ruim essa solidão. Invejei os que são sós. De verdade. Daqueles que não precisam de outro. Daqueles que nem sequer sabem como se apaixona-se.

Depois de um dia todo de reflexões e de uma certa tentativa - honesta - de trazer as coisas para um nível de generosidade e compartilhamento, esbarro com a receita de "vá a terapia". Ora, essa é uma excelente muleta para aqueles que nunca se desafiaram a conviver com o outro de verdade e de tão perto. Conviver com terapeuta é bom. Mas paga-se. Um preço que ao meu ver vale bem menos do que uma vivência inteira com alguém. Mas fazer o que... Fiquei aqui pensando com a minha cervejinha - e os gatos - que muita gente nunca teve com quem conversar de fato e só foi ensinado naquela salinha, com aquela pessoa.

Gostei muito da minha terapia - e tenho vontade de voltar (acho melhor eu escrever com maiúsculas: EU VOU VOLTAR PARA A TERAPIA - isso adianta?) No entanto a falta de sensibilidade será mesmo recuperada na terapia? Ou se consegue isso com o conviver, o espelhar, o deixar-se aproximar. O curtir-se. Sim. "Se curtir" é algo que só se faz sentindo. Nem que seja prazer. Puro. Físico. Mas isso só se pode com alguém, certo? Ou será que entramos num esquema tão profundamente solitário de andar por entre as gentes que se utilizam outros recursos? Dá pra sentir sem outro por perto?

Hmmmm...

Eu sempre rio pra ironia de um esforço meu em me mostrar mais humanizada. Sempre é frustrado. Dói. E fico pensando se isso é para que eu me humanize mais. Dizia na terapia que eu gostaria de não ser sensível assim. Minha chefe antes das férias me disse algo parecido "me preocupa você ser tão sensível, você precisa criar uma capa". Procurei as minhas capas em casa. Não achei nenhuma. Ao contrário. Em casa não há capas. Joguei todas fora. Mas começo a sentir falta delas. Me vejo num sentir agudo pedindo ajuda. E tudo o que ouço nesse processo de limpeza de espelhos no labirinto é para que eu procure um profissional. Ok. Eu não sou a santinha sensível mesmo. Nunca fui. Nem quis ser, apesar de ser, muitas vezes, acusada de olhar a humanidade do meu pedestal.

Fico pensando porque eu me importo. Porque eu me importei tanto há 4 anos... há 10, há mais de 13... E vejo - sem crise de vítima, PLEASE!!!! - que muito pouco foi importado pra mim... Que ironia isso. Se pedir para uma pessoa com a sensibilidade sangrando na pele - doendo mesmo - se acalmar. É quase como dizer que não há dor. Mas antes que eu esqueça. A dor é minha. Ninguém provoca dor no outro, não é mesmo? Deve ser por isso que as pessoas sofrem tanto, brigam tanto e discutem tanto. Porque elas são loucas em si. Sem precisar de ninguém. Vivem perambulando nesse solitário ser delas mesmas. E fazem de conta que precisam dos outros só pra ser bem visto? Ah! Esqueci da palavra carência.

Tem gente que esconde tudo aí. Tudo é carência. Os erros, as precipitações e irresponsabilidades diante da dor do outro. Mas tem gente que apesar de admitir a carência, e a sensibilidade, sem se esconder nela - ou por ela - é confundido com insaciável.

Estava lendo na academia o Amor em minúscula. Achei graça desse começo de paixão. Me lembrei do Nosso. Do Juliano. Achei bonito um sujeito durão se abrir inteiro pra viver um grande amor. Nos termos de Vinícius de Morais. E ainda assim, fiquei com vontade de me refugiar. De endurecer. Por que? Por causa do Juliano. Não... claro que não... mas por excesso de sensibilidade que me parece, a vida sinaliza para eu perder. Alguns chamariam isso de amadurecer. Mas uma fruta bem madura não tem a pele toda sensível? Será que essa minha sensibilidade vai me fazer apodrecer? Será que eu sei mesmo o que estou fazendo com ela? Hoje tive vontade de me esconder de mim mesma. Peguei o carro e saí pra dar uma voltinha de madrugada. Sempre isso me ajudou na conversa com as minhocas, não é?

Fiquei aflita em pensar que eu sinto demais. Um transe mediúnico que me fez ter vontade de correr. Pra dentro. Pro mais meu. Sem sentir. Como é isso? Esbarro num email antigo do Vinícius falando pra eu nunca deixar de ser assim... e de todas as coisas bonitas que esse sentir me permitiram... epifanias. Diárias.

Mas pra se sentir tanto se paga tanto assim? Sem reembolso? Por que as feridas quase cicatrizadas são rasgadas quando eu as mostro? Por que essa tentativa de me "humanizar" vem sempre acompanhada de flagelos?

Ok, muito shakespereano, talvez. Ouvi música depois. Trilhas. Buscando em mim mesmo o que eu deveria sublinhar com elas... Rabisquei o texto todo de mim mesma. e vi uma bizarrice de cores sentidas. Intensas e multiplicadas. Fractais. Prismas inteiros e quebrados nesse meu devaneio de querer não querer. De só parar. Onde eu desligo? Pra onde fica o silêncio e o vazio? Não quero mais sentir tudo ao mesmo tempo. Nem agora, nem mais.

Senti o amargo tomando conta. Esse vinagre escorrendo pelas veias. Dilatando e contraindo por mim. Não tinha pra quem ligar. As linhas desse canal não atendem mesmo. Pensei em voltar a sair de carro. Mas me lembrei que eu tinha tomado uma cervejinha... e a lei seca... sim. Ia ser muito mico ser pega embriagada por querer parar de sentir tudo.

Senti as agulhadas da vida. Li umas cartinhas que achei na pasta. Bilhetes. Fui olhar a casa reformando. "Vamos nos curtir", disse o Juliano. Olhei as coisas ali e agradeci. Há um curtir nisso tudo... E antes que eu seja vista - novamente - como alguém que nunca está satisfeito com nada... é melhor eu parar... de querer não sentir mais. E esperar essa dor respirar. Parar de tomar conta. Eu queria ser anestesiada da vida. E deixar. Quis viver a estátua. Quis ficar muda. E não ter mais nada a dizer. Porque não sinto mais nada.

E Clarice dizia que só se escreve com dor. Por que? Por que sentir tem que doer? Onde isso pega na gente? Como eu faço? Como eu faço de conta que eu não me importo? Como eu paro de me importar? Como eu finjo ignorar? Tenho medo que esse pedido de distância me afastem pra sempre. Já vi isso acontecer. Fiquei com saudade do mar.

Liguei. Nada. Nada falava comigo... e eu tentava falar com tudo. Será que se eu falar com o terapeuta resolve? Ora... Será que lá se aprende a parar de sentir? De lembrar? De esperar? Será que se ensina isso? Se treina? Hoje quis zumbizar pela terra. De noite e de dia. Tanto faz. Sozinho. Acompanhado. Faz diferença quando não se sente?

E fiquei aqui olhando esses livros todos em volta de mim. Tem tantos deles que sentiram demais, e não aguentaram. Uns escreveram. Outros fizeram isso e também piraram... outros ficaram. Outros entenderam. Uns deixaram disso, afinal, entender é sempre limitado, dizia a Clarice. Eu quis limites hoje. Dentro de mim. Por que esse escancarar meu pro mundo? O que isso tem me trazido? Há poros dilatados demais. E entupidos de tanta secreção. Pus, suor. E as outras "inas" que fazem bem também... deixam a gente com essa sensação de estar extasiado pelo existir aqui.

Passei uma lista das pessoas que passaram - e passam ainda - pela minha vida. Identifiquei um número assustadoramente pequeno daquelas que tinham esse compreender - não entender - esse ser cúmplice de um motor em explosão aqui dentro. Por mim. E achei ao mesmo tempo bom, e triste, essa solidão. Talvez a terapia cure não isso, mas corrija as lentes da observação. Sempre se é míope ao sentir. Sentir o outro: dá outro ensaio sobre a cegueira, Saramago? Sem pontuação. Nem correção.

Chamei o Sandman pra próxima rodada de cerveja. Eu, os irmãos. E os gatos. Ainda bem que o Destino é cego. E a Morte exuberante.


Read More...

Sempre gostei de trilhas sonoras de filme. Há tempos que eu venho descobrindo John Williams. Sempre que uma trilha me toca fundo, a música é dele. Assisti Memórias de uma Gueixa há um pouco mais de 2 anos. No cinema. Na época que vi o filme, por recomendação do Tomas e do vinícius, eu tinha que enfrentar uma coisa que me corroía a alma. De antes? De sempre? Dessas descobertas que a gente faz da gente e do outro que, ou põe tudo a perder, ou se ganha para sempre.

Acho que o resultado tem sido o segundo. Esses dias consegui a trilha do filme e passei o dia corrigindo as provas, correndo aqui e ali com material de construção, vendo gatos, com essa música na casa. Fui lançada àquele fim de tarde de 2006. Antes da Páscoa. E me descobri ali, quieta por fora, agonizando por dentro. E me lembrei que a personagem era como a água. Atravessava e se moldava às coisas. Tinha essa virtude de seguir, sem se amedrontar com os buracos e curvas. Invejei. Desde aquele dia não consegui reproduzir esse deslizar. Escorrer.

Na verdade, tenho cavado mais fundo, mas sem deixar a água entrar. Lembro bem que um amigo me disse que as minhocas vivem em lugares úmidos. Mas não submersos. Fiquei com vontade de ser essa água. Ontem, lendo o livro Amor em minúscula com a trilha do filme, me dei conta que eu ainda não consegui lavar esses buracos aqui dentro. Há pouca luz. E ainda por cima os escondo com panos cintilantes para disfarçar.

Voltei a ter insônia e não dormi essa noite. Invejei os gatinhos que pulavam pra cá e pra lá. E eu rolava inquieta. Sem poder dormir. Sem poder acordar. Havia um silêncio pré-tempestade dentro de mim. Fiquei com as memórias. Não as minhas. Dele. E me confundi. Me perdi aqui dentro nesse novelo de lembranças picpotadas em cadernos e frases perdidas. Fora do contexto. Sem texto que me dissesse respeito. E a dor... esperando no pé da cama. Ouvindo o meu respirar apertado. Nervoso. E de repente, sobressaltada pelo pulo do Fred na cama que me olhava fixamente, achei irônico me encantar com as memórias dos outros. Sempre tristes, dizia o Juliano. E me apertei mais em mim. Vi um desfile sombrio de rostos e curvas de pessoas. Cores e tamanhos que se confundiam com esses fantasmas aprentados pra mim. Não dormi mais.

Apertei a boca nas mãos pra conter esse respiro. Senti uma pontada no peito e uma vontade louca de me esquecer. De tudo. De nunca saber. O desconhecido pode ser mesmo um grande abençoar. E chorei mais. Me desesperei nessa vontade de me apegar mais, mais. De querer. e de ouvir e saber... sem mais ter que ler...

Não me lembro mais de ter dormido, mas fui sacudida pelo despertador do Juliano que ia viajar cedo. Mais panos. Menos cintilantes. Como a gente pode mesmo sublinhar essas emoções com música? Fiquei pensando nessa coincidência de ouvir de fora, de dentro, desse mundo cheio de memórias. Dessas que se quer esquecer, dessas que se apertam no coração e entre os dedos para não escapar. Dessas que se pode perdoar. Mas não se pode.

Lembrei de mais um monte de coisas hoje cedo. Quase nostalgia de 28 anos que ainda não se foram? Me senti velha. Jovem. Inteira. Fractal. Pensei e deixei de pensar. Fui fazer essas coisas do cotidiano e meio para fazer de conta que se está bem por dentro, comecei a falar e a falar. Com gatos. Resolvi problemas da obra e não tive vontade mais de sair de casa. Fiquei aqui. Atirada no meio das provas. Ouvindo a mim. E pedindo ao John Williams que sublinhasse essas outras coisas aqui que eu ainda não sinto, nem percebo, mas existem dentro de mim. Pedi música. Perdi memórias. E me deixo com votade de ter mais esquecimentos e lacunas... pra deixar a água passar.

Read More...

segunda-feira, julho 14, 2008


Hoje acordei com saudade desse mar. Desse ir e vir pra dentro, cada vez mais.

Desse me banhar de mim, de luz e de sal. De ondas que vão me levar pra sei lá onde. Trazendo tudo, deixando nada. Fiquei com saudade dessa solidão cheia de plenitudes que não se explicam. Nem se dizem. Vontade desse mergulho. E ficar. Nesse escuro do fundo do mar que deixa o sol se por e a vida calar.

Read More...


Estrelando... Fred e Filó.

Type rest of the post here

Read More...

Eu me espanto ainda com algumas coincidências dessa vida. Depois de viver essa tragi-comédia grega com o universo dos felinos, a história ainda parece continuar... Estava na semana passada dando uma rodeada pela livraria da FEA e - pela segunda vez - esbarro num livro chamado Amor em minúscula. Gostei do título, mas gostei mais porque tinha um gatinho na capa. Igualzinho à Malu.

Malu foi uma gatinha que encontramos na escola. Estava na 7a. série. Sempre gostei de gatos, mas minha mãe na época não queria bichos em casa. Mais ainda: tínhamos herdado um papagaiozinho do meu avô que falecera no ano anterior. Era uma combinação perigosa, para não dizer mortal. Achamos a Malu no páteo do colégio. Gata de rua mesmo. E, acho que já contei essa história aqui, enfiei a Malu na mochila, e trouxe pra casa.

O pior não foi confinar a gatinha numa mochila com livros de escola e aguentar o trajeto de ônibus - aproximadamente 20 minutos - até a minha casa. Inventei de dar um banho - isso mesmo! - no tanque de casa, com a água gelada. Foi quase um campeonato de luta livre, o qual, honradamente eu ganhei depois de ser arranhada até onde não podia. Malu andou em casa, tranquila. Minha mãe chegou e fui obrigada a começar o sermão pró-felinos. Inútil. Tive que levar a gata pra escola. Na mochila. E assistir as primeiras aulas com ela.

Me lembro que a aula antes do intervalo era de matemática e o professor era um querido. Jihad. Nada a ver com as jihads. Era um coroa bonitão e muito engraçado. Tive que disfarçar que a mochila se mexia e miava. Pobre Malu. Os colegas ainda tentaram acobertar - afinal era um plano coletivo dar uma salvação à gata. Mas ninguém ficou com ela no fim das contas. O duro de se ter 13 anos é que as decisões bonitas que você toma nunca param em você. É preciso pedir autorização à cúpula dos pais(es)desenvolvidos.

Mas o que de fato me trouxe nesse livro nem foram tanto as lembranças da Malu ou a relação com os gatos. Mas o título, certamente, me provocou um suspiro gostoso no coração. Dessas brisinhas de felicidade não inteligíveis. Gosto das coisas simples: ir a padaria, andar de bicicleta e ficar passeando pela cidade a pé. Gosto de andar descalços e poder usufruir do que a minha mãe sempre chamou de "momentos preciosos", traduzidos na linguagem cotidiana por vários outros vocábulos.

Comecei a sapecar com o livro e achei lindo a possibilidade de viver um amor, minusculamente falando. Miudinho. Não o amar pequeno. Mas de encontrar essas joinhas nas nossas intermináveis horas. Há um gato que traz a um professor solitário e cabuçudo de filologia um suspiro gostoso desses. De certa forma, tinha muito a ver com o meu café da semana passada. Descobertas dessa forma de viver que não ficam restristas à academia. Mas que se pode viver bons livros nesse nosso peregrinar em nós mesmos pela vida.

É engraçado quando a gente se reconhece nas linhas dos outros. E acho que foi essa vontade de me reconhecer aqui e ali, me achar nas entrelinhas do existir que deixaram de olhinhos vidrados no livro. Há essa coisa que me lembra ainda a Lina, que os animais ensinam. E que nem sempre a gente se predispõe a aprender qualquer coisa. Com eles ou com outros. Esse nosso jeitinho simplificado de organizar a nossa vida para que seja suportável viver assim tão cheio de "não sei" e "não entendo". Saboreio esse romance que se costura com os meus. Em silêncio.

O autor. Claro! ele escreve bem, mas falando mesmo dessas coincidências ele cita muito Kafka, Goethe... e pra me deixar mais extasiada o Livro do Desassossego do Fernando Pessoa, sem contar o Pink Floyd e o "Dark side of the moon"... O livro está cheio de citações bonitas e que deixam a gente suspirar com as páginas abertas da alma... Tem uma delas que eu fiquei..., que me deixou assim com essa vontade de escrever sobre sei lá o que

toda luz tem sua sombra. as pessoas aparentemente mais simples ocultam um mundo no qual acontecem coisas impensáveis. quando entramos nele por acaso, somos invadidos por um sentimento de desconcerto e temor, como quem invade um jardim alheio.
(...)
Por isso às vezes é conveniente não querer saber tudo.


E acho que foi exatamente isso que me pegou. Porque eu sempre quero saber tudo o tempo todo. E me lembro da Clarice dizendo "você é daquela que precisa de garantias". É. Assustadoramente assim. E isso nunca se tem. Já dizia Malu, Lina, ...

Read More...

terça-feira, julho 08, 2008

Recebi uma boa notícia em relação ao meu mestrado. Mas a coincidência foi que, exatamente hoje, tomando um café na FEA antes da aula de alemão eu ouvi uma voz bem familiar. Até demais que olhei. Era a uma antiga amiga minha da faculdade.

Há coisa que 6 anos atrás ela tinha tudo o que eu almejava - quase tudo - tinha seu carrinho, sabia ingles, alemão e francês, latim, estava terminando o mestrado e se lançando ao doutorado. Tinha ido algumas vezes para a Inglaterra para estudar. E podia comprar livros e passar o dia estudando. Tinha bolsa. E uma família que podia bancar as coisas. Além de tudo isso, era bastante lida, estudiosa e séria nos seus trabalhos. Minha primeira apresentação - quase - séria em congressos foi com ela. Sempre admirei. E sentia uma inveja positiva. Algo do tipo "quando crescer quero ser assim".

A gente se dava muito bem. Saíamos juntas e eu cultivava essa mistura de admiração-projetada-de-sonhos. Ela tinha personalidade. Eu também. Dizia o que pensava. eu também. Havia muita afinidade e chegamos a participar de momentos bonitos da vida uma da outra.

Num determinado momento do curso ficamos mais próximas e como ela morava bem perto de casa me dava carona. Pouco tempo depois - não me lembro exatamente quanto - a gente se afastou. Crises na família dela. Eu ocupada. Enfim. Essas coisas que a vida vai fazendo pela gente. E a gente deixa de fazer pela vida. Nos estranhamos uma vez e acho que depois disso, por mais carinho que existisse, não foi igual. Eu fui trabalhar. Terminei a faculdade. Corri atrás dos meus sonhos: estudei línguas, rererereescrevi projetos. Briguei com orientador. Caí na sala de aula.

Nesse percurso mudei de namorado. Gandaiei. Conheci a Marcia. Enfrentei Stelas e Manuelas. Muita coisa salgou em mim. Outras adoçaram. Me desencantei com a academia. Com a sala de aula. Com amigos e colegas. Fiquei deprimida. Enfrentei monstros e minhocas. Depois me apaixonei. Casei. Fiquei desempregada. Corri atrás. Pedi emprestado. Suei. Deixei de dormir. Chorei. Discuti a relação. Briguei em casa. Chorei mais. Trabalhei. Escrevi. Estudei. Li. Achei pessoas. Presentes. Alunos. Mestre. Voltei a me encantar com a academia. Com pessoas e com a nossa dificuldade de conviver.

Muita coisa aconteceu desde então. Hoje, tomando aquele café ali eu vi a mesma mesmice de anos atrás. O falar mal. O rancor. A disputa e a insegurança que a intelectualidade insiste em dizer que não tem. Vi um castelo de vidro. Lindo. Frágil. Cheio de ranhuras que podem quebrar. Montado sobre um solo de areias orgulhosas. Senti por ela. Pelo tudo o que eu gostaria que ela tivesse vivido. E pelo que um dia eu quis viver. Senti. Toquei no braço dela algumas vezes dizendo que sentia saudade. Nem sei bem do que. De quem. De mim ou dela? De nada...

Saí pra aula meio cambaleante. Subi as escadas correndo como se fosse encontrar no terceiro andar a menina do terceiro ano deslumbrada com o conhecer. Cheguei ali e não vi nada a não ser meu reflexo no vidro escurecido pela noite. Passavam das 18:30. Passa(r)vam por mim muita cenas translúcidas naquela tela quase etérea do meu vivido. Pensei ali no que eu vinha me transformado. E como Deus depois da criação, vi "e achei que era bom". Gostei do meu metamorfosear dolorido. Das minhocas cavando em mim e saindo sei lá pra onde. Gostei desse amargo de viver e da doçura do se transmutar. Achei bom a dor-prazer. E agradeci a quem de direito por isso tudo em mim. Dentro. Fora. Lembrei do Tatá... meu mestre. Nas coisas da cabeça. Das suas lições de humildade e de seguir. Persistir e achar bonito não vencer de cara. Gostei de ter crises com a falta de tempo. Da minha demora em fazer o mestrado. De adiar. Nunca de desistir. De saber esperar. Saber chorar. Perdoar. Reconhecer. Iluminar e escurecer. Gostei de ter mordido a língua. De ter de pedir desculpas. De ter razão. E de não ter poder.

Voltei da aula de alemão com o coração latejando aquela dor. Ainda lacinante de feridas antigas e doídas. Fantasmagóricas que me assombram pela História e por tantas histórias que me atravessam. E trespassam o Nosso. Tinha ligado pro Juliano. E feliz-triste pedi saudade e um SOS pro meu coração que esses dias foi bem sacudido. Pedi carinho e aquela confirmação que é mistura de manha e medo de quem é-foi ontem-hoje, e nunca mais. Cheguei em casa assim. Meio tropeçada por um de mim. E dele. Da gente. Da USP. Da História. De cada um.

Senti saudades de casa. Daqui mesmo. Entrei. Procurei alguma coisa que eu acabara de reencontrar. Senti saudades da minha amiga. E de quem fomos uma pra outra. Mas soube que eu era mais inteira agora. E o quanto eu precisei perder pra me deixar assim, com menos frações de mim. Me deu uma melancolia. Um me alegrar cheio de pontadinhas no peito. Mordiscadas de vida transmutada arranhando o coração. Tão frágil trocando de pele. Ah, isso sim acontece. Os corações também trocam de pele. Com menos frequência porque estão bobamente blindados pelo nosso jeito metidinho de ser. Mas quando a pele é arrancada... aquele pulsar em carne viva te dilata inteiro por dentro. E a pele nova demora pra nascer. Fazendo esse nascimento doloroso, definitivo até que se troque de pele de novo.

Abri a porta procurando juntar as pelinhas que saíam e nasciam aqui dentro. Me lembrei das caminhadas na semana passada e dos muitos e lindos e silenciosos "até amanhã" do sol... das cores na praia. Da água do mar. E desse sal de Clarice tomando conta de mim de novo. Me lembrei das cores. De que cor é mesmo sentir? E se sente tanto? Abro a porta. E ali estava o Juliano. Flores amarelas nas mãos e aquela camisa amassada do dia. Laranja. E o rostinho corado de sol. Brilhou aqui dentro. E da pele e do sangue e da dor eu senti aquele quentinho no peito. Anestésico. Um olhar e o silêncio de quem se testemunha trocando de pele. Um abraço. Um carinho e um sussurro perfumado dessas flores amarelas. Luminosas. Cheias de vida. Do Nosso. E ali, tudo se fez. Fechei os olhos e vi o sol aqui dentro. Nascendo... até amanhã.

Read More...

segunda-feira, julho 07, 2008

De volta ao lar... ainda em reconstrução e, claro, para dar certo o ciclo pós viagem, chegando em casa me deparo com uma carta de uma vizinha pitizenta.

Achei curioso como a intuição é pouquíssimo ouvida... recebendo as notícias perto do mar (que ela não saiba) de que o prédio estava mais do que apodrecido por dentro, senti que o distúrbio na força seria bem maior do que pareciam mostrar as imagens de nuvens no céu.

Não vou dissertar o longo apreço que tenho por essa figura que tem lá os seus amarres históricos comigo. Para não falar de outros engodos. Isso sem falar nos 6 meses de azucrinação volta-do-trabalho que eu tinha que escutar sem manda-la para aqueles lugares. Enfim. Aos poucos as coisas faziam mais e mais sentido e a aparente "não-vou-mesmo-com-a-sua-cara" se materializou em uma briguinha muda (da minha parte) por uma coisa meio fêmea-alfa. O mais difícil numa situação de guerra não-declarada é quando o inimigo sabe mais que você. E o seu aliado se recusa a dividir algumas informações vitais para a compreensão da peleia. Ora, ficou mais simples depois que o Juliano "situou" algumas questões.

Acho que pela primeira vez a frase "We have a situation here" fez tanto sentido. Ontem, chegando daquele descanso mais que merecido e suadinho... me dei de cara na minha casa com uma cartinha da moça. Francamente. Além de escrever mal, a figura parecia ter escrito a Papai Noel reclamando que a sua bicicleta não tinha chegado. Me vi enfurecida. Odeio invasões na minha intimidade e quando atacam os meus, enfureço mesmo. Vi uma leoa andando em alerta na porta de casa e nas escadas. Importante: a carta era endereçada ao meu marido. Bom. E muito ruim. Acendeu uma veia estrategista minha - que sempre temo: serviços secretos do mundo que se cuidem! - que imediatamente levantei um arsenar de coisas para atacar efetivamente.

O mais estranho de tudo era o fato de eu saber que isso não era "politicamente correto". Ora, há maneiras e maneiras de se fazer políticas corretas. Depende sempre do objetivo, não é? Comecei a minhocar. Fazia tempo que as minhocas não apareciam assim tão enfurecidas. Glorioso.

Tive que ouvir o Juliano argumentar e falar de rancores, propostas de armistícios e tentativas diplomáticas. Ouvi. Enfureci de novo. Bom jeito de se treinar a paciência. Aliás, livros de auto-ajuda deveriam recomendar veementemente ter um vizinho mala e mau-caráter. Faz brotar em você um misto de instinto civilizado.

Hoje cedo, depois de tomar um café da manhã emburrada e ter passado a maior parte da noite em claro rezando e maldizendo a criatura - os céus vão ter que fazer sua reunião de paz também... - vou buscar os gatinhos no hotel. Depois de abraçar e apertar bem os dois - recém de banho tomado, fofos, e saudosos - dei de cara com a fofa na escada. Tudo se resumiu a um "oi" meu, bem longo, irônico talvez, mas elegante. Em cima do salto como dizem as vovós. E a um oi seco, grosseiro e bastante enfurecidinho. Não vou mentir que gostei que ela ficou sem água. Uma certa vingancinha silenciosa pelas coisas todas que ela me disse.

Agora, nesse jogo de birras... só espero passar esse engodo no peito e voltar a passear pelas escadas sem armas na mão. Incrível como a gente é humano. Bixo. Instinto territorial mesmo. Com algumas armas mais ferinas que as dos animais. Essas deles podem cicatrizar e fechar. As nossas são permanências...

Read More...

quinta-feira, julho 03, 2008

caminhos por aqui por dentro

Vim acompanhar o Juliano nessa semana de trabalho e me refugiar de mim mesma. Tenho tentado isso há algum tempo mas sem muito sucesso. Estou aqui há 2 dias e escrevo e leio e penso e despenso muito de mim...

Trouxe a Clarice Lispector e a Karen Armstrong para esses dias sabáticos de não-pensar. E o mais engraçado é que nesse cultivo de solidão literária eu me largo nem sei onde. Foi uma delícia o dia de hoje pensar se dormia ou lia, ou caminhava na praia. E resolvi deixar de querer escolher. A gente tem que escolher o tempo todo e cansei dessa obrigação.

O livro dos prazeres, da Clarice, tem me deixado absolutamente em transe hipnótico. Fiquei meio chocada com a pungência desse observar-sentir a vida dela. Invejei. Quis escrever assim. Como se escrever assim me aliviasse esse eterno angustiar-se. E ela dizia no livro que não há literatura sem dor. Fiquei pensando no tamanho da dor dela. A gente pode medir a dor?

Estranhamente, não tanto assim, a Karen escreveu um livro chamado A Grande Transformação. Fala de um período da história chamado Era Axial em que surgiram - ao mesmo tempo - os grandes mestres e algumas buscas espirituais. Achei graça dessa minha seleção de viagem pro mar. Devorei os dois hoje, mas ainda não sei pra onde isso vai me levar. Acho melhor não prever mesmo. Gostei dessa experiência de cair nas ondas do mar da vida e me soltar um pouco das amarras elásticas que prendi nela.

Hoje fiz coisas bem do dia-a-dia. Daqui há pouco vou comprar detergente e esponja. Fiquei com vontade de lavar a louça. Arrumar a casa e esperar o Juliano de banho tomado e cheirosa pra gente tomar outro vinho e quem sabe deixar o frio esquentar debaixo das cobertas. Me vi feliz hoje com essa condição de ser humana. A Clarice dizia ontem que o destino de todo ser humano é se tornar ser humano. Fiquei cavocando esse destino na areia do mar hoje. Não achei. Ainda. Mas não fiquei com pressa de achar. Vai saber como vou encontrá-lo não é?

Me deu uma satisfação de estar desaprendendo uma série de coisas. Gostei desse estado de lentidão cerebral e paciência de sentir. Espera. Sem pressa. E largada nesse ir, voltar, deixar. Vontade de ficar aqui nesse café e devorar os outros livros e cafés. Só para deixar o sonho ser no acordar. Por que dormir?

Read More...

trombadas

Domingo. Era por volta das 11 da manhã eu acho. Estava num vai e vem de gatos e reforma e material de construção. Juliano me chama pra olhar pra trás na saída do prédio... Lina na porta.

Mal pude acreditar que era possível depois de mil olhadelas na vila a gatinha surgiria debaixo do carro estacionado empacando a minha entrada. Me abaixei e só senti o coração acelerar. Era uma sensação de ter de volta algo que, de certo modo, nunca tinha sido plenamente meu. Um insaciável satisfeito. Recheado. Mas com mil buraquinhos pelas bordas do peito com os arranhões que só o apego - e seu irmão mais novo, birrento, o desapego - pode ter.

Chamei a gatinha. Juliano ficou ali parado. Havia outro com ela, um dos muitos com quem ela dividia a casa. Ela olhou. Chamei-a de Lina mesmo. Era o que ela era pra mim. Ela veio. Miou. Peguei no colo. Apertei ela gostoso. A gente se reconheceu. Ela - como de hábito - esfregou o rostinho no meu. Só consegui dizer um "ó" terno e manhoso e retribuir. Pedi ao Juliano que tirasse umas fotos da gente. Não tive como pedir isso dia que ela foi.

Fiquei pensando em quantas vezes eu a procurei, a chamei em pensamento para ela me "surpreender" na porta. Achei graça dessa coisa toda infantil e de menina apegada. Fiz carinho, disse que ela era importante e que eu sentia saudade. Acho que ela entendeu. Estava grandona, mas mais aculturada. Engraçado como eu reparei nisso. Um sentir, cheio de sutilezas. Eu também não era mais a mesma. A perda e a separação provocam coisas na gente. Coisas porque isso não se define, não se nomeia. Mal consegue-se sentir.

Soltei ela no chão. Observei. Ri. Ela rodeou. Miou mais um pouquinho e eu adorei. Era um sinal da gente como "estamos aí, a gente vai se trombando". Naquele momento só nosso eu fiquei pensando na Lina como a vida. Ela vai, vem, volta e e vai de novo. Sem a gente controlar. Sem a gente querer. E nesse ir, vir e voltar há transformações sutis dentro da gente. Aquelas unhas arranham umas entranhas estranhas de nós mesmos. Mostram os nós, os arrepios e medos, os engasgos e até os miados mais disfarçados cheios de charme que escondemos nesse silêncio de existir. Fiquei ali agradecendo a ela por isso, por me presentear com a vulnerabilidade, com a fugacidade da experiência, da alegria, do ter, do amar. Do sentir. Fiquei com isso. Peguei ela no colo de novo. Era um tchauzinho mais conformado de nós duas - mais do que no dia que ela arranhava a porta de vidro na casa dela - mais inteiro também. Mais adulto. Sofrido, mas cicatrizando. Depurando algumas verdades sobre esse nosso gatear...

Olhei pra frente. Um barulho no portão da vila. Era a Fran atrás dela, preocupadíssima dela ter fugido. Não minto que eu quis que fosse verdade. Quis me tornar a mulher invisível ali com a Lina no colo e sumir do mapa com ela. Como fazem os super-heróis. Ri sem graça tentanto esconder esse desejo meio gato-traiçoeiro-apego. Ela me viu e riu. Havia na gente essa cumplicidade da vida tirando e dando coisas ao mesmo tempo agora. Tão rápida e intensamente que o máximo que a gente consegue fazer é se olhar - rapidamente - e rir. Desajeitadamente. Disse que a Lina estava aqui, bem. Bastante óbvio para o meu flagrante de quase-rapto. Ela contou que a Lina tinha aberto a janela da sala de jantar e fugido. Ri por dentro. Quase comemorei.

Mas a gatinha miou e me dei conta que os meus delírios de Marvel estavam com os segundos contados. Soltei ela no chão. Ela voltou pra mim. Ficou. Rondou. Conversamos um pouquinho. A Fran me desperta tanta ternura e generosidade, mas ao mesmo tempo ela me tirou a Lina. Como essas coisas podem andar juntas? Olhei de novo a Lina. Comia grama daqui e dali, olhava. Miava. Ouvi ela contar dos outros gatos. Não tive vontade de contar dos meus. Mas intimamente agradeci a ela. Era um experienciar de não-entender que eu vivia. Aliás me dei conta que eu precisava viver não-entender mais vezes. Que nos últimos anos essa ansiedade por entender coisas me deixaram quase de concreto. Um cérebro metido a besta quase tomou conta. Mas deixei que a luta fosse bem sangrenta e as cicatrizes ainda passeiam pelo meu corpo. Subitamente a dor da perda se foi. Respirei. Foi bom olhar pra ela e deixá-la livre. Não era bem desapegar. Mas soltar a linha - elástica - que nos unia. Na hora me dei conta que nem todos eu amarrei com elásticos. E que mesmo ela foi difícil trocar as amarras. Me deu pressa de fazer isso logo. Listei rapidissimamente todos os que eu queria bem amarrados a mim. Me perdi. A lista era grande demais e os meus dedos desajeitados não iam dar conta disso assim tão rápido.

Juliano me chamou e me dei conta. Respirei de novo. Olhei de novo pra Lina. Fiz uma prece agradecida pra ela. Por ela. Pelo que ela trouxe pra mim. E generosamente deixou em mim, não levando com ela. Olhei pra cima como querendo ver os dois novos gatinhos que estão em casa. Fred e Filó. Disse em silêncio que uma hora eles iam se ver. Meio parafraseando o filme Promesses.

Há dois dias estou em Florianópolis. Choveu hoje e passei a maior parte do dia trabalhando. De repente vi que a imagem da Lina no computador tinha sumido. E que eu tinha acabado de ligar para saber dos gatinhos no hotel da clínica. Achei meio mágico que isso tivesse acontecido assim ao mesmo tempo. E gostei da sensação. Ontem, caminhando pela praia, tive uma epifania desse ir e vir das ondas, da Lina, da vida, dos (não) meus. E como a gente pode criar retinas mais coloridas para deixar esse banhar-se vida tomar conta da alma. Sem se esconder. Sem se amarrar. Quis ir com as ondas ontem. Naquele púrpura de fim de tarde que eu adoro. Que é tão cheio de mensagens cifradas ao espírito. Que revela essas ranhuras de viver sem ser, de se arrastar pela gente mesmo. Molhei a mão no mar pra limpar a areia. Foi que eu vi... os arranhões que a Lina deixou na minha mão no dia que ela foi estavam cicatrizados. Só aquela manchinha rosa, como o céu e o mar. Enchi os olhos d'água e de fato, não entendi, senti. Chorei miudinha sei lá porque. Um choro sem lágrimas. Fiquei tímida diante desse oceano salgado na minha frene. Cheia de não-entender, senti, sendo, entregando ao Tempo esse viver-vivo e misterioso. Coloquei a saudade nas asas das gaivotas e pedi que elas levassem ao mar. Uma hora as ondas trazem de volta. Pra gente curtir de pertinho a saudade e novamente deixar ir. Ir, vir, voltar, diluir, sem cicatriz, só os dedos róseos da Aurora no coração...

Read More...