terça-feira, julho 08, 2008

Recebi uma boa notícia em relação ao meu mestrado. Mas a coincidência foi que, exatamente hoje, tomando um café na FEA antes da aula de alemão eu ouvi uma voz bem familiar. Até demais que olhei. Era a uma antiga amiga minha da faculdade.

Há coisa que 6 anos atrás ela tinha tudo o que eu almejava - quase tudo - tinha seu carrinho, sabia ingles, alemão e francês, latim, estava terminando o mestrado e se lançando ao doutorado. Tinha ido algumas vezes para a Inglaterra para estudar. E podia comprar livros e passar o dia estudando. Tinha bolsa. E uma família que podia bancar as coisas. Além de tudo isso, era bastante lida, estudiosa e séria nos seus trabalhos. Minha primeira apresentação - quase - séria em congressos foi com ela. Sempre admirei. E sentia uma inveja positiva. Algo do tipo "quando crescer quero ser assim".

A gente se dava muito bem. Saíamos juntas e eu cultivava essa mistura de admiração-projetada-de-sonhos. Ela tinha personalidade. Eu também. Dizia o que pensava. eu também. Havia muita afinidade e chegamos a participar de momentos bonitos da vida uma da outra.

Num determinado momento do curso ficamos mais próximas e como ela morava bem perto de casa me dava carona. Pouco tempo depois - não me lembro exatamente quanto - a gente se afastou. Crises na família dela. Eu ocupada. Enfim. Essas coisas que a vida vai fazendo pela gente. E a gente deixa de fazer pela vida. Nos estranhamos uma vez e acho que depois disso, por mais carinho que existisse, não foi igual. Eu fui trabalhar. Terminei a faculdade. Corri atrás dos meus sonhos: estudei línguas, rererereescrevi projetos. Briguei com orientador. Caí na sala de aula.

Nesse percurso mudei de namorado. Gandaiei. Conheci a Marcia. Enfrentei Stelas e Manuelas. Muita coisa salgou em mim. Outras adoçaram. Me desencantei com a academia. Com a sala de aula. Com amigos e colegas. Fiquei deprimida. Enfrentei monstros e minhocas. Depois me apaixonei. Casei. Fiquei desempregada. Corri atrás. Pedi emprestado. Suei. Deixei de dormir. Chorei. Discuti a relação. Briguei em casa. Chorei mais. Trabalhei. Escrevi. Estudei. Li. Achei pessoas. Presentes. Alunos. Mestre. Voltei a me encantar com a academia. Com pessoas e com a nossa dificuldade de conviver.

Muita coisa aconteceu desde então. Hoje, tomando aquele café ali eu vi a mesma mesmice de anos atrás. O falar mal. O rancor. A disputa e a insegurança que a intelectualidade insiste em dizer que não tem. Vi um castelo de vidro. Lindo. Frágil. Cheio de ranhuras que podem quebrar. Montado sobre um solo de areias orgulhosas. Senti por ela. Pelo tudo o que eu gostaria que ela tivesse vivido. E pelo que um dia eu quis viver. Senti. Toquei no braço dela algumas vezes dizendo que sentia saudade. Nem sei bem do que. De quem. De mim ou dela? De nada...

Saí pra aula meio cambaleante. Subi as escadas correndo como se fosse encontrar no terceiro andar a menina do terceiro ano deslumbrada com o conhecer. Cheguei ali e não vi nada a não ser meu reflexo no vidro escurecido pela noite. Passavam das 18:30. Passa(r)vam por mim muita cenas translúcidas naquela tela quase etérea do meu vivido. Pensei ali no que eu vinha me transformado. E como Deus depois da criação, vi "e achei que era bom". Gostei do meu metamorfosear dolorido. Das minhocas cavando em mim e saindo sei lá pra onde. Gostei desse amargo de viver e da doçura do se transmutar. Achei bom a dor-prazer. E agradeci a quem de direito por isso tudo em mim. Dentro. Fora. Lembrei do Tatá... meu mestre. Nas coisas da cabeça. Das suas lições de humildade e de seguir. Persistir e achar bonito não vencer de cara. Gostei de ter crises com a falta de tempo. Da minha demora em fazer o mestrado. De adiar. Nunca de desistir. De saber esperar. Saber chorar. Perdoar. Reconhecer. Iluminar e escurecer. Gostei de ter mordido a língua. De ter de pedir desculpas. De ter razão. E de não ter poder.

Voltei da aula de alemão com o coração latejando aquela dor. Ainda lacinante de feridas antigas e doídas. Fantasmagóricas que me assombram pela História e por tantas histórias que me atravessam. E trespassam o Nosso. Tinha ligado pro Juliano. E feliz-triste pedi saudade e um SOS pro meu coração que esses dias foi bem sacudido. Pedi carinho e aquela confirmação que é mistura de manha e medo de quem é-foi ontem-hoje, e nunca mais. Cheguei em casa assim. Meio tropeçada por um de mim. E dele. Da gente. Da USP. Da História. De cada um.

Senti saudades de casa. Daqui mesmo. Entrei. Procurei alguma coisa que eu acabara de reencontrar. Senti saudades da minha amiga. E de quem fomos uma pra outra. Mas soube que eu era mais inteira agora. E o quanto eu precisei perder pra me deixar assim, com menos frações de mim. Me deu uma melancolia. Um me alegrar cheio de pontadinhas no peito. Mordiscadas de vida transmutada arranhando o coração. Tão frágil trocando de pele. Ah, isso sim acontece. Os corações também trocam de pele. Com menos frequência porque estão bobamente blindados pelo nosso jeito metidinho de ser. Mas quando a pele é arrancada... aquele pulsar em carne viva te dilata inteiro por dentro. E a pele nova demora pra nascer. Fazendo esse nascimento doloroso, definitivo até que se troque de pele de novo.

Abri a porta procurando juntar as pelinhas que saíam e nasciam aqui dentro. Me lembrei das caminhadas na semana passada e dos muitos e lindos e silenciosos "até amanhã" do sol... das cores na praia. Da água do mar. E desse sal de Clarice tomando conta de mim de novo. Me lembrei das cores. De que cor é mesmo sentir? E se sente tanto? Abro a porta. E ali estava o Juliano. Flores amarelas nas mãos e aquela camisa amassada do dia. Laranja. E o rostinho corado de sol. Brilhou aqui dentro. E da pele e do sangue e da dor eu senti aquele quentinho no peito. Anestésico. Um olhar e o silêncio de quem se testemunha trocando de pele. Um abraço. Um carinho e um sussurro perfumado dessas flores amarelas. Luminosas. Cheias de vida. Do Nosso. E ali, tudo se fez. Fechei os olhos e vi o sol aqui dentro. Nascendo... até amanhã.

2 comentários:

Silas Mendes disse...

A gente se confunde as vezes né... mas existe muita beleza na vida.......


*suspirando*

Bom fim de semana por aí!!

Lou disse...

Sempre releio esse texto e vejo que muitas vezes você para mim é essa amiga, em que me espelho...
Mas, como você mesmo disse é necessário correr atrás dos próprios sonhos e a cada dia (um pouquinho mais madura)sinto que sei direitinho o que devo fazer.
Sinto tanto a sua falta, porém, tento amenizá-la com as boas lembranças de quando nossa rotina se encontrava com mais frequência...
Como vc está? Quero muito revê-la e agradecer por exitir...essas coisas de amiga caçula!
Te adoro senhorita T.
Beijos montes,
Aninha