quarta-feira, julho 16, 2008

Acordei hoje com a Filó me puxando os cabelos. Achei tão bonitinho esse acordar. Acho que entendo porque os solitários sempre tem animais de estimação. E entendo o estágio mais avançado de se ser só. Não é preciso nem isso. Fiquei um tempo com ela na cama e depois vi os dois rolarem pra cá e pra lá se fazendo carinho e brincando.

Sempre esse cotidiano me deixou meio encantada. Não gosto de rotinas, mas gosto de uma permanência na vida. De coisas que se repetem, com serenidade. E que se constroem aos poucos. Levantei e vi a casa de pernas pro ar. Cheia de pó branco de tinta e massa. Uma poeira bonita que dançava com as luzes do sol e o prisma da janela que, apesar de esbranquiçado, ainda refletia... Achei tudo isso meio mágico, uma coisa de achar bonita a destruição.

Nunca me incomodei tanto com sujeira como nos últimos dois dias. Mas apesar da reclamação, estou achando bom ficar na minha toquinha. Sem precisar me expor ao mundo da sala de aula. Essa madrugada fiquei fuçando na internet... resolvi procurar o Charles. Meu antigo professor de literatura. Vi um blog dele, mas sem nenhum contato. Tinha apenas uma foto. Fiquei me lembrando das aulas e das músicas que ele cantava. De todas as coisas que ele passou. Dos lançamentos de livro. De presenças e ausências. E lembrei que ele nunca mais escreveu, deu notícia. Por muito tempo eu fiquei pensando porque isso tudo tinha acontecido e se tinha um mistério nesse desaparecer.

Mas no meio do café da manhã na poeira da sala eu me lembrei que muitas vezes o sumiço é mais presencial. Sumi de algumas pessoas. E sei porque. Senti saudade dele, de ser aluna de novo. Fiquei me lembrando se depois eu tinha encontrado um professor parecido... e de certa forma a minha adolescente idealização dele se transmutou num silêncio. A gente conversava pouco. Mas era o suficiente. E vi de novo depois as fotos. Os livros e as dedicatórias. Achei graça dessa passagem de tempo que ao mesmo tempo congela as vidas das pessoas em lembranças. Fiquei com vontade de tomar um café com ele e contar tudo o que se tinha passado em tantos anos.

Mas percebi que esse café não era necessário. Quando a gente conhece o outro sabe diagnosticar nas feições do rosto as coisas que mudaram. As que foram escondidas. E outras apagadas. Me deu vontade de falar disso depois de reclamar do meu excesso de sensibilidade. Ele era uma das pessoas que valorizava isso. Mesmo reconhecendo o quanto ele estava endurecendo com a vida. E não era conselho de professor mais velho. Ele via algo nisso que me dava a sensação de ser compreendida. Ora, para uma adolescente sem auto-estima: grandona, de cabelos enrolados e que gostava de ler coisas estranhas na época... nada mais adequado. Esse acolher dele sempre me deu vontade de retribuir. E de alguma forma, é o que venho fazendo na sala de aula com os meus alunos. Na medida que posso. Que aprendo. Que vejo e sinto. Engraçado como uma inspiração pode transformar tanto assim... e atravessar as eras da idade da alma.

Fiquei a manhã nostálgica. Com saudades das peças de teatro. Das brincadeiras com p Pico, dos meninos do MIR. Me deu vontade de voltar no tempo e saber lidar com esse sentir todo, sem me machucar tanto. Era mais simples. Desafios mais generosos. Sem dor. Eu sabia o que queria. Mesmo que não soubesse quem era. E hoje, sabendo mais quem sou, sei menos o que quero. Ou sei todo fragmentado dentro de mim. Será que o Charles teria algo mais a ensinar? Sobre o baú de ossos? Sobre ir, vir, sumir. Sobre não entender...? Acho que procurar o nome dele na internet foi um pouco essa tentativa de descobrir uma receitinha. Mas esqueci da grande dica de ontem: terapia. E vamos nessa...

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