terça-feira, julho 15, 2008

Chego em casa de noite e não tem ninguém. Achei tão bom e tão ruim essa solidão. Invejei os que são sós. De verdade. Daqueles que não precisam de outro. Daqueles que nem sequer sabem como se apaixona-se.

Depois de um dia todo de reflexões e de uma certa tentativa - honesta - de trazer as coisas para um nível de generosidade e compartilhamento, esbarro com a receita de "vá a terapia". Ora, essa é uma excelente muleta para aqueles que nunca se desafiaram a conviver com o outro de verdade e de tão perto. Conviver com terapeuta é bom. Mas paga-se. Um preço que ao meu ver vale bem menos do que uma vivência inteira com alguém. Mas fazer o que... Fiquei aqui pensando com a minha cervejinha - e os gatos - que muita gente nunca teve com quem conversar de fato e só foi ensinado naquela salinha, com aquela pessoa.

Gostei muito da minha terapia - e tenho vontade de voltar (acho melhor eu escrever com maiúsculas: EU VOU VOLTAR PARA A TERAPIA - isso adianta?) No entanto a falta de sensibilidade será mesmo recuperada na terapia? Ou se consegue isso com o conviver, o espelhar, o deixar-se aproximar. O curtir-se. Sim. "Se curtir" é algo que só se faz sentindo. Nem que seja prazer. Puro. Físico. Mas isso só se pode com alguém, certo? Ou será que entramos num esquema tão profundamente solitário de andar por entre as gentes que se utilizam outros recursos? Dá pra sentir sem outro por perto?

Hmmmm...

Eu sempre rio pra ironia de um esforço meu em me mostrar mais humanizada. Sempre é frustrado. Dói. E fico pensando se isso é para que eu me humanize mais. Dizia na terapia que eu gostaria de não ser sensível assim. Minha chefe antes das férias me disse algo parecido "me preocupa você ser tão sensível, você precisa criar uma capa". Procurei as minhas capas em casa. Não achei nenhuma. Ao contrário. Em casa não há capas. Joguei todas fora. Mas começo a sentir falta delas. Me vejo num sentir agudo pedindo ajuda. E tudo o que ouço nesse processo de limpeza de espelhos no labirinto é para que eu procure um profissional. Ok. Eu não sou a santinha sensível mesmo. Nunca fui. Nem quis ser, apesar de ser, muitas vezes, acusada de olhar a humanidade do meu pedestal.

Fico pensando porque eu me importo. Porque eu me importei tanto há 4 anos... há 10, há mais de 13... E vejo - sem crise de vítima, PLEASE!!!! - que muito pouco foi importado pra mim... Que ironia isso. Se pedir para uma pessoa com a sensibilidade sangrando na pele - doendo mesmo - se acalmar. É quase como dizer que não há dor. Mas antes que eu esqueça. A dor é minha. Ninguém provoca dor no outro, não é mesmo? Deve ser por isso que as pessoas sofrem tanto, brigam tanto e discutem tanto. Porque elas são loucas em si. Sem precisar de ninguém. Vivem perambulando nesse solitário ser delas mesmas. E fazem de conta que precisam dos outros só pra ser bem visto? Ah! Esqueci da palavra carência.

Tem gente que esconde tudo aí. Tudo é carência. Os erros, as precipitações e irresponsabilidades diante da dor do outro. Mas tem gente que apesar de admitir a carência, e a sensibilidade, sem se esconder nela - ou por ela - é confundido com insaciável.

Estava lendo na academia o Amor em minúscula. Achei graça desse começo de paixão. Me lembrei do Nosso. Do Juliano. Achei bonito um sujeito durão se abrir inteiro pra viver um grande amor. Nos termos de Vinícius de Morais. E ainda assim, fiquei com vontade de me refugiar. De endurecer. Por que? Por causa do Juliano. Não... claro que não... mas por excesso de sensibilidade que me parece, a vida sinaliza para eu perder. Alguns chamariam isso de amadurecer. Mas uma fruta bem madura não tem a pele toda sensível? Será que essa minha sensibilidade vai me fazer apodrecer? Será que eu sei mesmo o que estou fazendo com ela? Hoje tive vontade de me esconder de mim mesma. Peguei o carro e saí pra dar uma voltinha de madrugada. Sempre isso me ajudou na conversa com as minhocas, não é?

Fiquei aflita em pensar que eu sinto demais. Um transe mediúnico que me fez ter vontade de correr. Pra dentro. Pro mais meu. Sem sentir. Como é isso? Esbarro num email antigo do Vinícius falando pra eu nunca deixar de ser assim... e de todas as coisas bonitas que esse sentir me permitiram... epifanias. Diárias.

Mas pra se sentir tanto se paga tanto assim? Sem reembolso? Por que as feridas quase cicatrizadas são rasgadas quando eu as mostro? Por que essa tentativa de me "humanizar" vem sempre acompanhada de flagelos?

Ok, muito shakespereano, talvez. Ouvi música depois. Trilhas. Buscando em mim mesmo o que eu deveria sublinhar com elas... Rabisquei o texto todo de mim mesma. e vi uma bizarrice de cores sentidas. Intensas e multiplicadas. Fractais. Prismas inteiros e quebrados nesse meu devaneio de querer não querer. De só parar. Onde eu desligo? Pra onde fica o silêncio e o vazio? Não quero mais sentir tudo ao mesmo tempo. Nem agora, nem mais.

Senti o amargo tomando conta. Esse vinagre escorrendo pelas veias. Dilatando e contraindo por mim. Não tinha pra quem ligar. As linhas desse canal não atendem mesmo. Pensei em voltar a sair de carro. Mas me lembrei que eu tinha tomado uma cervejinha... e a lei seca... sim. Ia ser muito mico ser pega embriagada por querer parar de sentir tudo.

Senti as agulhadas da vida. Li umas cartinhas que achei na pasta. Bilhetes. Fui olhar a casa reformando. "Vamos nos curtir", disse o Juliano. Olhei as coisas ali e agradeci. Há um curtir nisso tudo... E antes que eu seja vista - novamente - como alguém que nunca está satisfeito com nada... é melhor eu parar... de querer não sentir mais. E esperar essa dor respirar. Parar de tomar conta. Eu queria ser anestesiada da vida. E deixar. Quis viver a estátua. Quis ficar muda. E não ter mais nada a dizer. Porque não sinto mais nada.

E Clarice dizia que só se escreve com dor. Por que? Por que sentir tem que doer? Onde isso pega na gente? Como eu faço? Como eu faço de conta que eu não me importo? Como eu paro de me importar? Como eu finjo ignorar? Tenho medo que esse pedido de distância me afastem pra sempre. Já vi isso acontecer. Fiquei com saudade do mar.

Liguei. Nada. Nada falava comigo... e eu tentava falar com tudo. Será que se eu falar com o terapeuta resolve? Ora... Será que lá se aprende a parar de sentir? De lembrar? De esperar? Será que se ensina isso? Se treina? Hoje quis zumbizar pela terra. De noite e de dia. Tanto faz. Sozinho. Acompanhado. Faz diferença quando não se sente?

E fiquei aqui olhando esses livros todos em volta de mim. Tem tantos deles que sentiram demais, e não aguentaram. Uns escreveram. Outros fizeram isso e também piraram... outros ficaram. Outros entenderam. Uns deixaram disso, afinal, entender é sempre limitado, dizia a Clarice. Eu quis limites hoje. Dentro de mim. Por que esse escancarar meu pro mundo? O que isso tem me trazido? Há poros dilatados demais. E entupidos de tanta secreção. Pus, suor. E as outras "inas" que fazem bem também... deixam a gente com essa sensação de estar extasiado pelo existir aqui.

Passei uma lista das pessoas que passaram - e passam ainda - pela minha vida. Identifiquei um número assustadoramente pequeno daquelas que tinham esse compreender - não entender - esse ser cúmplice de um motor em explosão aqui dentro. Por mim. E achei ao mesmo tempo bom, e triste, essa solidão. Talvez a terapia cure não isso, mas corrija as lentes da observação. Sempre se é míope ao sentir. Sentir o outro: dá outro ensaio sobre a cegueira, Saramago? Sem pontuação. Nem correção.

Chamei o Sandman pra próxima rodada de cerveja. Eu, os irmãos. E os gatos. Ainda bem que o Destino é cego. E a Morte exuberante.


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