quinta-feira, junho 07, 2007

passeios de fim de tarde

Novamente eu me atiro ao sol. Fui à praça hoje ver o sol ir embora, daquele jeito mágico, vermelhão inesquecível pra lembrar que ele sempre volta. Toda vez que vejo aquele disco vermelho no meio do céu, inteiro, quente, fico recompondo a mágica relação que os egípcios tinham com ele.

Fiquei ali, vendo o Juliano pedindo os cafunés, as coceiras. Eu estava ali, imersa nesse oceano de carinhos e declarações... Sentia aquela brisa bem suave, namorando o luz do outono, toda impressionista. Admirei as cores das árvores, dos cabelos das crianças que iam e vinham com os pais, os cachorros, os brinquedos. FIquei ali, silenciando o movimento incessante. Tentando escutar outras sintonias, mais distantes da percepção desse "comboio de cordas" como dizia o F. Pessoa.

Fiquei ali, no meio daquelas cores todas pensando no livro do Desassossego... de que cor é o sentir? Maravilhei-me com a idéia de que a natureza espelha bem esse desassossego caótico existente na gente. Fiquei ali, olhando, perdida de mim. Ótimo para quem se desafia a lutar diariamente com a explosão cerebral >< sentimentalismos excessivos.

Rodei mais um pouco nos cabelos do Juliano. Olhava as cores dele também. Prestava atenção nas pessoas ao redor conversando sobre coisas quase nada interessantes. E gostava de observar as que, como eu, nem olhavam a vista, nem o sol, nem ninguém. Olhavam para esse lugar que a gente acha que não existe. Algum lugar no meio do comboio de cordas.

Prestei atenção em um rapaz que estava ali, sem cigarro, sem bebida, sem bicicleta. Nem boné, nem aquele óculos de gente metida a charmosa... Ele estava ali. Nele. Olhava em 360 graus. Senti uma afinidade silenciosa com aquela percepção. Juliano dormia quase. E eu me divertia fazendo ele rir das carícias. Das minhas leituras de Shakespare, de comentários aleatórios e dos suspiros que a gente dá. Ele transcendia o mundo "através das suas unhas..." Ri.

O rapaz de repente puxou um caderninho de notas, semelhantes aos que eu e Juliano temos. Notei que ele rabiscava e continuava olhando ao redor. Achei até que poderia estar ali a trabalho - ok, era feriado hoje! - mas não... Ele tinha uma maneira muito doce de escrever, quase como as meninas quando inauguram a primeira página do diário. Era terno com as páginas. Escrevia devagar, quase como se estivesse a ponto de paralizar o todo a nossa volta. E pintar isso em palavras. Eu fiquei me lembrando de coisas da minha adolescência quase demasiado contemplativa. Sempre gostei de saborear as coisas lentamente, as pessoas, as paisagens, as comidas, as conversas. Apesar da minha ansiedade, o meu excesso de apego às vezes me faz parecer muito, demasiado calma. Ilusão. Fiquei imaginando o que aquele moço tentava pintar ali, o que ele sentia. De que cor sentia. E porque, estranhamente, as pessoas se apegam a esses registros do dia...

Eu via o céu se alaranjando. A brisa se despedindo e trazendo o geladinho do vento. As pessoas se agasalhavam. A luz acendeu. O céu era lilás. O rapaz continuava escrevendo. Juliano tinha se levantado do sono profundo dos carinhos e me retribuído... Fui flagraga por aquele moço. Ele também tinha me observado daquele jeito, quase. Sorrimos um para o outro. E eu deixei de ficar sem graça. TInha um violãozinho ali perto, convidando as pessoas a ficarem menos vigilantes. Ele se levantou. Passou do meu lado, sorriu. E acenou com o caderninho dele. Gostei do adeus.

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