sábado, junho 09, 2007

shakespeare sexta

Ontem assisti novamente o documentário Ricardo III, feito felizmente por Al Pacino. Deslumbrante. Pude, de algum modo traduzir ao Juliano minha paixão por esse autor. Fiquei tentando me lembrar porque, ou melhor, quando eu me apaixonei por esse inglês... E porque, ou melhor, como venho cultivando essa paixão há tantos anos.

O documentário é feito de modo a tentar explicar porque Shakespeare é mal interpretado. A diferença entre Shakespeare e shakespereano. As peças, os textos, sonetos, tudo parece complicado demais. Al Pacino sai pelas ruas dos EUA e Inglaterra perguntando às pessoas se elas conhecem Sahkespeare. A maioria ouviu falar. A maioria não leu, ou leu pouco, ou leu pouco e obrigada na escola. FAto: a maioria acha "boring" demais para encarar um fim de semana ou mesmo uma tarde. Pior seria passar a noite com ele.

Um homem muito simples, entrevistado, sem dentes, negro e pobre nos EUA, dizia que não entendemos Shakespeare porque não sabemos mais sentir. Desaprendemos isso com o tempo. E mais, ainda fizemos o crime maior de prendê-lo nas academias e bibliotecas. Quase fizemos como os antigos egípcios que, para matar alguém na eternidade, apagavam o seu nome escrito. Era o fim. Ninguém mais se lembraria...

Não vou me dar ao trablho de comentar o trabalho do elenco maravilhoso e inquestionável. Mas queria pontuar que o percurso oferecido por Al Pacino desvela Shakespeare. Desvela a academia, o teatro. O medo e o tabu que esse ator encerra em suas páginas. Me deu um calor no peito revendo o filme e o quanto Sahkespeare é pungente nas suas construções. Ele poderia dizer de outro jeito. Mas não quis. Para complicar? Não, para mostrar que sentir, viver, ver, estar no mundo não é tão óbvio como se parece, e mais ainda, é mais desafiador e revelador. Ora, sua matéria prima é o sentimento. Sua forma de nos apresentar isso... suas palavras. E que magia.

Fizemos vários intervalos no meio do filme. Suco, comidinhas aqui e ali, beijos, reflexões sobre a vida, sobre o autor, o filme. Nada mais bonito que ver o Juliano se shakespereanizando. Poroso deixando aquela força do texto invadir a sua vida. Eu ria. Achei graça como ele descobria a poesia daquilo.

Maravilhada, encantada com a profundidade do humano ali. Pensei nas minhas fantasias de sair e tomar um café com esses meus autores favoritos. Antes de dormir, Juliano me perguntava se eu preferia sair com Deus ou Shakespeare. DIsse a ele que Shakespeare teria mais a me dizer de Deus e dos homens do que o próprio Criador. Ele anda ocupado ultimamente: aquecimento global, aids, gente pra todos os lados vivendo o desespero de estar aqui ou lá. Levaria Shakespeare para tomar um chimarrão. Na praça Pôr-do-Sol. Ficaria ali ouvindo ele falar. Dizer das coisas que viu. Adoro o jeito que ele traduz a história da humanidade propriamente: Mercador de Veneza, os reis todos, Henriques, James, João, Ricardo. São tantos os reis, mulheres, Hamlets que habitam a gente. Tantos Romeus, Julietas, tantas noites de verão, de reis, de sonhos, de megeras domadas, Antônios, Cleópatras, Pucks, Porcia, Ladies Macbeths e todas as famílias complicadas de York, Capuletos, Lancaster. Só são personagens, personificações distantes, mas vindas de dentro de você, de mim, do cara aqui do lado, do sujeito que abastece o meu carro no posto, do caixa do supermercado, da faxineira. São tantos. E tão poucos se colocarmos ali, espelhados nesse reflexo bonito do texto.

Shakespeare tem esse bisturi da vida. Ele é propriamente essa intervenção cirúrgica na vida. Corta a sua alma. Exatamente onde ela dói. Onde você acha que vê e não entende nada. Acha que sabe, e desconhece.Fiquei me lembrando da reação do Juliano ontem falando coisas como "nooooooooooosssaaaaaaaaaaaaa" e outros adjetivos mais contundentes... Bonito quando tudo faz sentido. Senti esse quentinho na alma de poder dividir esse inglês tão especial na minha vida. Que me diz tanto, me sente tanto. Bonito a gente poder se apresentar entre os queridos.

Acordei com esse dia cheio de sol, me preparando para o nosso 2 sarau romântico. Livros, poesias, escritos, e toda essa coisa que deixa a alma respirar no mundo. De dentro e de fora... shakespearizando o dia, a vida... sem academia, sem tabu. Sem entender. Só o sentir...

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