sábado, junho 09, 2007

quero poder contar....

O Pico. Mais uma vez. Mais todas as vezes. Eu há dois meses tenho rascunhado um texto sobre uma notícia que ele me passou...

Há dias que eu pensava nele. Essas coisas que a minha intuição faz comigo o tempo todo... enfim... Tem cada uma! Mas voltando. Eu estava em casa. Era tarde da noite. Uma sexta-feira. Tinha acabado de comer e me preparava para receber os carinhos no pé. Mas tinha um cutuco no peito. Eu precisava saber se o Pico estava bem.

Curiosamente o Pico estava on-line... Senti uma coisa engraçada por dentro, uma felicidade particular naquele momento e chamei-o para uma conversa. Nunca virtual. Nossas conversas nesses anos todos sempre foram as mais verídicas que eu pudera ter. Lá estávamos nós e eu louca para dizer do meu estranho sentimento pra ele. Que ele seria pai.

Antes mesmo que eu pudesse dizer alguma coisas ele disse que queria muito me contar uma coisa... e eu quase fiz a piadinha... que nem deu tempo. Quando li na hora que ele seria pai, foi tão forte como no dia que eu descobri que Darth Vader era pai de Luke Skywalker. Fiquei paralisada. Silêncio interrompido por um grito meu enlouquecido de felicidade. Balbuciei para o Juliano qualquer coisa e um "eu sou foda!" na sequência.

Pai. Nem me dei ao trabalho de voltar para o computador. Liguei o telefone de pé pulando e gritando a notícia como se ninguém num raio de 2 km tivesse escutado a minha modesta celebração.

Atendeu o telfone. Gritava! e comecei a chorar. Pai. Isso ainda ecoa em mim por dentro. O Pico é o meu amigo mais antigo. E vai ser pai. Isso parecia tão distante da gente há alguns anos atrás e de repente... eu casada. Ele, pai. A vida adulta te pega na esquina. De surpresa mesmo. Fiquei tão comovida com isso que nem podia dizer nada pra ele de significativo. A conversa ao telefone foi a mais rápida que tivemos em 20 anos de amizade. Não havia o que dizer. Estou devendo esse abraço para ele todos os dias desde então.

É impressionante como a gente se dá conta que envelheceu. Que não vive mais naquele mundinho construído e protegido. A gente precisa retribuir isso ao mundo. Trazendo gente boa pra cá. Foi a primeira vez que eu senti um poder absoluto num nascimento de uma criança. O filho do Pico. Eu o amo mesmo antes de o conhecer. É como se eu o tivesse comigo por perto desde sempre.

Ele mesmo está atônito ainda coma notícia. "É... eu acho que a minha ficha ainda não caiu" ele disse. E nem as minhas. Parece essas cenas de filme. Que os roteiros adaptados fazem melhor que o original. Aqui é exatamente o oposto. Eu não sou capaz de reproduzir a minha alegria e maravilhamento com a notícia.

Já fico imaginando eu indo na maternidade, vendo essa criança crescer. Contar para ela que eu e o pai dela nos conhecemos na primeira série. analfabetos do mundo. E que nos alfabetizamos de mãos dadas nesse mundo de fantasia. Nos apresentamos mundos de sonhos que sonhamos - e realizamos - até hoje... ET, literatura de sci-fi, Duna, Monthy Pyton, Star Wars, RPG e todos os seres maravilhosos que agregamos nesse caminhar de tanto tempo, os amigos, reais, próximos, que abraçam, riem, choram, participam. Testemunham.

Eu tenho pensado nesse testemunhar da vida. Como algumas pessoas em especial testemunham a nossa vida em plenitude. O Pico é um desses. E me senti privilegiada por estar aqui assistindo o nascer dele. Eu fico sentindo um calor bem quente mesmo no coração pensando como vai ser daqui há algum tempo... ir nas festas de aniversário. Me lembro de todos os aniversários do Pico que eu fui, No McDonald's, na casa dele, nos restaurantes. Mesmo. Me lembro de um dia a Mariana, irmã mais velha dele, dizer para a minha mãe que a gente estava "brincando" no quarto, quando na verdade, já quase adolescentes, a gente tinha uma dessas conversas fantásticas sobre o mundo e sobre a vida, de onde para onde ir, sem ir a lugar algum conhecido.

Eu quero poder contar ao filho dele que o Pico fez muito da minha infância valer a pena. Que ele tinha uma pistola Zillion que brilhava e fazia um zum bem bacana, que me ensinou a fazer os primeiros comunicadores de caixa de fósforo e que podiam ter luzinhas e apitar. Quero poder contar a ele que fiz a minha primeira traquinagem numa festa de aniversário, atirando batatas fritas nos colegas por causa dele. Que a gente passava horas pensando em como imitar os trabalhos de George Lucas e Spielberg. Que a gente queria criar universos fantásticos e jogar muito RPG. Que eu pensava em ir para a Disney e ver os EUA por causa das coisas que ele me contava de lá. Quero poder dize a ele das nossas caminhadas intermináveis no Playcenter quando eu adorava caminhar no Labirinto e dar cabeçadas no vidro só para ver o Pico rir.

Quero dizer a ele também que o Pico foi o amigo que eu mais briguei, mais ri, mais chorei, mais amei. E que no meio de tudo isso ainda tivemos tempo para fazer peças de teatro, ensaiar e dançar no teatro da escola. Escrever trabalhos mirabolantes, fazer maquetes do Prof. Pardal e deixar os professores de cabelo em pé. Quero agradecer por ele ter esse pai. Que foi meu pai, irmão, amigo, inimigo, príncipe encantado, vilão, fabricador de sonhos, mestre dos mares, herói, mendigo, médico do coração e a alma mais generosa que eu encontrei no meu caminho.

Quero poder mostrar a ele aquela foto que eu não tenho comigo sei lá porque até hoje, da gente fantasiado de caipira numa festa junina de muitos anos atrás. Vou dizer a ele também de todas as besteiras que a gente se disse nessa vida. E de como os pedidos de desculpa - nem sempre ditos - eram os mais sinceros e regeneradores. De como eu aprendi a perdoar com ele. De como ele me ensinou - e ensina sempre - a ser humilde, a ter bondade e compaixão. De como ele mostrou que a frase do Cristo "dar a outra face" pode ser vivida no dia-a-dia. Como ele me ensinou a transformar as sucatas em sonhos. Como o verbo sublimar foi ensinado tão fortemente por esse pai. E ainda consigo me surpreender com outros significados que ele traz a essa palavra.

E quero poder dizer a ele que o seu pai é uma dessas raridades que Deus manda pra Terra, só para que a gente testemunhe a sua grandeza. E que por isso, e por outro motivos mais que eu só vou poder contar ao longo de uma vida, eu sou grata por ter acompanhado esse menino-homem-mago-pirata caminhar por esse mundo, às vezes fantástico, e poder trazer um pouco de fantasia pra gente. De como esse serzinho que está chegando é um privilegiado de ter um pai desses. Que transforma. Que acontece. Que sonha-vivendo...

Pico, eu quero poder contar tudo isso... e que você esteja junto para me lembrar das coisas e me dar um lenço quando eu não puder continuar. Parabéns... e sempre obrigada.

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