segunda-feira, julho 14, 2008

Eu me espanto ainda com algumas coincidências dessa vida. Depois de viver essa tragi-comédia grega com o universo dos felinos, a história ainda parece continuar... Estava na semana passada dando uma rodeada pela livraria da FEA e - pela segunda vez - esbarro num livro chamado Amor em minúscula. Gostei do título, mas gostei mais porque tinha um gatinho na capa. Igualzinho à Malu.

Malu foi uma gatinha que encontramos na escola. Estava na 7a. série. Sempre gostei de gatos, mas minha mãe na época não queria bichos em casa. Mais ainda: tínhamos herdado um papagaiozinho do meu avô que falecera no ano anterior. Era uma combinação perigosa, para não dizer mortal. Achamos a Malu no páteo do colégio. Gata de rua mesmo. E, acho que já contei essa história aqui, enfiei a Malu na mochila, e trouxe pra casa.

O pior não foi confinar a gatinha numa mochila com livros de escola e aguentar o trajeto de ônibus - aproximadamente 20 minutos - até a minha casa. Inventei de dar um banho - isso mesmo! - no tanque de casa, com a água gelada. Foi quase um campeonato de luta livre, o qual, honradamente eu ganhei depois de ser arranhada até onde não podia. Malu andou em casa, tranquila. Minha mãe chegou e fui obrigada a começar o sermão pró-felinos. Inútil. Tive que levar a gata pra escola. Na mochila. E assistir as primeiras aulas com ela.

Me lembro que a aula antes do intervalo era de matemática e o professor era um querido. Jihad. Nada a ver com as jihads. Era um coroa bonitão e muito engraçado. Tive que disfarçar que a mochila se mexia e miava. Pobre Malu. Os colegas ainda tentaram acobertar - afinal era um plano coletivo dar uma salvação à gata. Mas ninguém ficou com ela no fim das contas. O duro de se ter 13 anos é que as decisões bonitas que você toma nunca param em você. É preciso pedir autorização à cúpula dos pais(es)desenvolvidos.

Mas o que de fato me trouxe nesse livro nem foram tanto as lembranças da Malu ou a relação com os gatos. Mas o título, certamente, me provocou um suspiro gostoso no coração. Dessas brisinhas de felicidade não inteligíveis. Gosto das coisas simples: ir a padaria, andar de bicicleta e ficar passeando pela cidade a pé. Gosto de andar descalços e poder usufruir do que a minha mãe sempre chamou de "momentos preciosos", traduzidos na linguagem cotidiana por vários outros vocábulos.

Comecei a sapecar com o livro e achei lindo a possibilidade de viver um amor, minusculamente falando. Miudinho. Não o amar pequeno. Mas de encontrar essas joinhas nas nossas intermináveis horas. Há um gato que traz a um professor solitário e cabuçudo de filologia um suspiro gostoso desses. De certa forma, tinha muito a ver com o meu café da semana passada. Descobertas dessa forma de viver que não ficam restristas à academia. Mas que se pode viver bons livros nesse nosso peregrinar em nós mesmos pela vida.

É engraçado quando a gente se reconhece nas linhas dos outros. E acho que foi essa vontade de me reconhecer aqui e ali, me achar nas entrelinhas do existir que deixaram de olhinhos vidrados no livro. Há essa coisa que me lembra ainda a Lina, que os animais ensinam. E que nem sempre a gente se predispõe a aprender qualquer coisa. Com eles ou com outros. Esse nosso jeitinho simplificado de organizar a nossa vida para que seja suportável viver assim tão cheio de "não sei" e "não entendo". Saboreio esse romance que se costura com os meus. Em silêncio.

O autor. Claro! ele escreve bem, mas falando mesmo dessas coincidências ele cita muito Kafka, Goethe... e pra me deixar mais extasiada o Livro do Desassossego do Fernando Pessoa, sem contar o Pink Floyd e o "Dark side of the moon"... O livro está cheio de citações bonitas e que deixam a gente suspirar com as páginas abertas da alma... Tem uma delas que eu fiquei..., que me deixou assim com essa vontade de escrever sobre sei lá o que

toda luz tem sua sombra. as pessoas aparentemente mais simples ocultam um mundo no qual acontecem coisas impensáveis. quando entramos nele por acaso, somos invadidos por um sentimento de desconcerto e temor, como quem invade um jardim alheio.
(...)
Por isso às vezes é conveniente não querer saber tudo.


E acho que foi exatamente isso que me pegou. Porque eu sempre quero saber tudo o tempo todo. E me lembro da Clarice dizendo "você é daquela que precisa de garantias". É. Assustadoramente assim. E isso nunca se tem. Já dizia Malu, Lina, ...

Um comentário:

Lou disse...

Adorei essa parte... " você precisa de garantias" Tem um livro que vc ia amar chama " Cats" só tem imagem de gatos....Bjos