terça-feira, março 06, 2007

eclipsando



Esses dias ocorreu mais um eclipse. E não foi só na lua... Fiquei pensando porque tenho um carinho especial por desenterrar os mortos. Quando estão bem mortos. Quando escrevi sobre as minhocas, sobre as dores, o ciúmes, o medo, o amor não me dava conta que essas coisas se dilatam. E de fato, Srta T, o que você mais teme é o poder que exerce nas pessoas. Esse em que elas se transformam. Com você. Por você e por elas mesmas.

Ontem num efusivo desembaraçar de pensamentos, Juliano me dizia isso. É tão difícil receber o amor do jeito que ele vem. É tão mágico se entregar e só receber esse sentimento no coração. Pelo corpo.

Outro dia uma amiga leu uns textos daqui e achou forte. Tentava explicar a ela que as coisas ditas aqui não são reais em si. Mas uma mistura daquilo que eu penso - e sinto - ser real com aquilo que deve ser - em boa parte - criação das minhocas. E elas tem sido muito participativas. Mas tem expulsado a inflamação de mim. Elas - as minhocas - tem nomes sim... uns reais (a maioria não...) curvas, são pessoas, coisas, medos, elas personificam o que há de pior em mim - e nos outros... mas como eu dizia, ajudam a expulsar a inflamação.

Ando olhando a lua nesses últimos dias e me lembrando da Fabiana alertando para a minha ultra sensibilidade em dias de lua cheia. Parece coisa de superstição. Mas enfim, alertar é sempre bom. E isso tudo, as minhocas, meus passeios de madrugda, amigos, copos de cerveja, me fizeram lembrar de uma história que eu vi acontecer há não muito tempo atrás...

A lua estava lá, se enchendo de si mesma durante um mês todo. Permitindo-se ser olhada, seduzindo os mortais pequenininhos aqui em baixo com seu jogo de esconde nas nuvens. Ela por alguns momentos sim, podia controlar o céu. A sua luz, a sua beleza e a sua atenção. Mas não os ventos... ah, isso eu discuto mesmo com os metereologistas (ou qualquer um que se diga entendido no assunto!). Na verdade aí é que se dá uma das grandes batalhas do céu.
Pois bem, os ventos. No fim de semana eles se lançaram contra si mesmos. Eu observei tudo, de pertinho. Da minha janela. E a cortina balançava, tentando me esconder da lua, mas sem conseguir me proteger dos ventos. Foi bonito à noite. Vi tudo. Saí para tomar um chop com o Juliano. E assisti o epílogo na cedeirinha do bar... acho que ele nem prestou atenção nisso. Mas eu sou muito ligada em batalhas. Ainda mais essas celestiais, epopéicas.
Acho que o primeiro encontro do vento e da lua deve ter sido bem mágico, apesar de tímido. Nua noite dessas de céu aberto, talvez com uma chuvinha ao final... muito frio...A lua se achando na sua intensidade, a serviço do Sol. E os ventos, escorregadios, furtivos, muito mais discretos, mas nem por isso menos afiados em suas sopradas. De fato, eles devem ter tomado um ou dois drinks, se olhado bastante. Poucas conversas, mas cada um querendo mostrar o melhor de si. Seduzindo-se mutuamente, se escondiam (pobres nuvens...) e se mostravam. Pavoneavam as suas aventuras, mas se escondiam da sua própria fraqueza - o desejo de amar e ser amado... o medo de se entregar e perder a sua majestade...

Tão belos os dois trocaram os telefones, e ficaram a se esperar. Quem viria primeiro? A luz ou o frio? Mal sabiam ambos que nesse jogo de espera o céu tinha outras demandas. Outros desejos, medos, carências e buscas. Coisas a resolver nas quais os dois eram também protagonistas dos episódios. Mas não sabiam da presença simultânea de um e de outro.
Passaram tempos, e alternavam suas intensidades buscando a si mesmos, a outros, no escuro da noite, quando podiam agir mais à vontade. A lua sempre mudou muito intensamente e o vento, ora... coitado. Sassaricava por aí, buscando a luz cheia, plena. Mas ela não queria ficar assim o tempo todo. Embora ele estivesse confundidamente apaixonado (duvido que isso ocorrera com ele antes... sempre foi instável e volúvel) e um tanto quanto perdido, sem rumo certo, soprando e esfregando curvas de montanhas diferentes, ela permanecia lá... esperando ele se decidir. Ser mais direto. Mais certeiro.

E ele? Ah... claro. Ele esperava por ela. Cheia, iluminada. Mas ela não podia. Havia outros lados escuros a cuidar. Aqueles que a gente demora a enxergar na lua... os pequenos buraquinhos escuros que ela se esforça em ofuscar com o seu brilho radiante. Mas ele sabia, de algum modo, disso tudo...

Passaram dois meses. E nesse jogo de semi-sinceridades-medos-amor-paixão-carinho-fuga, ambos se boicotaram. Pobrezinhos. Era inverno... Ventava muito e ela sentia o gelo da sua distância. Ele esperava a luz se firmar... e nada. Alguns encontros, telefonemas. Beijos escondidos. Muitas cartas de amor... ah, as cartas eram um dos pouquíssimos meios efetivos de comunicação... claro que o vento era muito mais rápido.

Eles se esperaram. Até que um dia a lua não suportou mais observar os passeios do vento à noite. Ainda que ele a buscasse, sempre esbarrava nas montanhas curvilíneas, gostosas e macias e ali, se protegia, escondendo seu medo de subir, se entregar... Ela sabia. Mas não podia esperar outra coisa, afinal. Ela, oscilante e indecisa, deixava o coitadinho mais aflito e carente. Sofrendo a saudade e a frustração de se contentar com sombras projetadas por ela, denunciando sua fraqueza maior... o ventar pra lá e pra cá.

A lua se escondeu uma semana. Foi a outras terras e sentiu que o vento buscou outras coisas. Sentiu, mas não falou. Temia que a dor fosse maior que sua vontade. Ela se escondeu e decidiu... Brilharia pra ele. Para ele não poderia ser nada pela metade. Ela tinha que ser inteira, plena, luminosa.

Na sua volta discreta se encontraram na madrugada numa linda praça onde o Sol se punha. Ali a Lua e o Sol tinham vivido muitos momentos de confidências. Eram ótimos amigos e não disputavam sua majestade. Era uma das poucas criaturas que a Lua tolerava que brilhasse tão intensamente. Ela não era, na verdade, muito fã de calor... gostava sempre da noite, com o vento... animando romances... Naquela noite os dois finalmente se olharam nos olhos. E sei que as estrelas testemunharam esse encontro pra lá de complicado e cheio de medos. (como o amor traz esse friozinho!!) Ela tinha decidido afinal. Bastava o vento fazer a sua parte. Se beijaram e ela explicou que precisaria do seu embalo na noite seguinte, da suavidade dele para lhe tranquilizar o coração. Ele prometeu que viria...

E veio. E as promessas e juras de amor se completaram. O vento finalmente aceitou voar mais, e a lua, ser intensa. Ora... como conjugar isso então? Ao ficarem juntos em sua paixão e amor insaciáveis perceberam que não podiam ser intensos assim. Precisavam se alternar. Mas qual deles cederia primeiro? Afinal, já tinham cedido tanto para ficarem juntos...
E o céu tomou seu partido afinal. O Sol se interpôs no meio e pediu, com autoridade majestosa, que eles parassem de disputar. E obviamente, de temerem a si mesmos. Nenhum dos dois, no seu amor intenso, se abandonariam. Não queriam isso. Mas como abrir mão de si mesmos sem sofrer? sem temer? ninguém os havia ensinado a amar...
e nem o sol sabia disso...

Brigaram muito. Essas brigas de amor. Que sempre terminam com beijos, abraços, mordidas, choro e gozo. Foram as maiores batalhas que o céu abrigou... nem as ondas do mar tinham feito tanto estrago na Lua e no Vento...

Mas houve o eclipse... o Sol de novo... intercedendo... Vênus abençoou. Silenciou os dois... E os deixou no escuro, para se amarem, e se verem na sua grande profundidade. Com uivos, buracos. Mas nem por isso menos apaixonados. E desejosos um do outro... que bom que os amantes podem se eclipsar!

Ah, o amor... é isso mesmo. E fiquei ali, observando o meu caneco de chop. O Juliano, os nossos beijos. A nossa lua, ventando... O nosso eclipse. O Nosso... e o sorriso tímido de todos os amantes, temendo repetir essa história, que nunca acaba. Mas se renova, profunda... intensa... silenciosa na noite.

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