quarta-feira, março 07, 2007

passeando no passado



Dias atrás eu tenho vivido uns sopros no peito... os ventos vem de longe, alguns eu quase tinha esquecido dos sussurros... eles aparecem em formas humanas, sonhos, faz-de-conta, sombras de casa, de bicicletas...

Uma brisa soprou há algumas semanas. Pensei comigo qual era a sensação que ela trazia das suas terras tão distantes. Era mais que uma sombra, mas tinha formas nada palpáveis. É difícil a gente (se) reconhecer 15 anos depois. Senti aromas, fechei os olhos, esperei. Nada. Só aquela sensação esquisita de estar fora de mim nesse - e desse - lugar. Há 15 anos.

É engraçado como a vida percorre uns atalhos, como o vento. E você é surpreendido na curva. As memórias se cristalizam e se transformam em roteiros. Puxa, Gavin, se você tivesse me falado do roteirista antes... teria combinado uns ajustes com ele. Mas vejam só... Eu levei as minhocas para darem uma volta. Arejar a cabeça e tomar um ar - poluído - em Santo Amaro.

Morei lá por muitos anos. Num dos pedaços de Santo Amaro deixei a infância e parte da adolescência. As outras partes de mim ficaram espalhadas - ou perdidas - pela cidade, e outras... em Porto Alegre. Só trouxe da Bahia o amor pelo mar... e o resto, pretendo buscar lá. Foram muitos anos, descobertas. Dores. Amores, alegrias e toda essa coisa que o pessoal fala que a gente faz (e desfaz) na adolescência. Divertido. Me achava muito envolvida com grandes causas. Adorava viver o mundo da escola. Tinha sempre coisas a resolver. E puxa, de alguma forma, eu me sentia importante.

Amizades ali não sobraram... é como se o vento as levasse de mim quando resolvi sair dali. Nem mesmo as lembranças eu consigo agarrar a mim. Parece até que com o passar do tempo elas desbotam, envelhecem e ouvem mal, manquejam no meu cérebro...

E nem se comunicam mais. Transformam-se lentamente no seu museu. Eu vi os rostos dali, meio sem expressão porque eu temia perdê-los para o vento e congelei todas as suas coisas numa feição única, contida. Inerte.

Estava saindo de uma reunião. Pertinho dali. Dei uma escapulida pela marginal e voltei ao Jardim Promissão. Passei pela estação de trem, que susto! Como as coisas ali ficaram concretas demais no meu mundo etéreo e fantasioso. Me senti tampada pela concretagem dos viadutos. nem via mais os prédios amarelinhos na esquina que me deram tantas lembranças... passei. Continuei andando ali, larguei o carro e decidi ir a pé, como se fosse de fato (re) encontrar (-me). Tarde demais. A pressa não podia trazer de volta os 12 anos que se passaram na minha ausência. Os meus amigos, inimigos, testemunhas e ignorantes da minha presenção não estavam ali para esperar a minha chegada. Doeu... me senti vazia. Esperei... Fazia muito calor e fiquei olhando para um antigo bar que tinha ali. As bebidas não teriam o mesmo gosto... sem gás, sem gelo... sem nada...

Andei mais um pouco e fiquei olhando o orelhão da esquina. Na rua 2. Em frente a uma velha sorveteria que não existe mais. Parei. Pensei em telefonar. Mas ninguém ali atenderia. Não havia mais os meus amigos motoristas de ônibus (da linha 6503) que me deixavam andar de graça, me salvavam de tarados à noite quando voltava do Mackenzie... A Vanessa não ia mais almoçar em casa. Eu não tinha mais ensaios de ballet na Conde de Itu... e nem passaria as tardes na casa do Ricardinho.

O Ricardinho era um menino loiro, de olhinhos azuis lindos. A gente se conheceu na 6 série. Eu gostava dele - era um dos poucos amigos sinceros que eu tinha. A gente voltava pra casa juntos e ele me acompanhava até à esquina da minha rua, a Monsenhor Magaldi, 340, cep 04753... não tinham os outros 3 números. A casa dele era muito bonita e ainda conserva o portão prateado, mas não tem mais o Romeu, o gato siamês, na espreita de visitantes...

Me deu um repique no peito... toquei a campanhia da casa dele e queria ver se ele ia sair de meia, shorts e camiseta hering cinza pra abrir o portão. O Romeu vinha junto. Toquei. Respirei fundo e desejei gritar ali pra ele "Riiiiiiiiiii, abre que é a Tatá!", jáme sacudia toda comemorando o reencontro com ele... e quando abri a boca, saiu um menino frazino, mal encarado. "Fala moça".
Pelo menos foi "moça" e não "tia" ia me sentir pior... enfim. Eu perguntei se a Asta ainda morava ali, a mãe do Ricardinho que era manicure e me fazia as unhas em troca de aulas de inglês e matemática ao filhote. A gente era da mesma classe.

O menino só conseguiu entender que a tal Asta tinha se mudado dali há uns 5 anos... 5 anos de atraso. Agradeci. Fiquei toda tímida ali esperando alguém sair da casa e dizer "brincadeira!". Me deu vontade de pedir pra entrar. Olhar o espaço, ver se eu achava alguém ali. O uniforme do Paralelo esperando... Nada.

Saí dali e não tive coragem de ir a pé. Parecia que tinha ficado esses anos todos caminhando. Peguei o carro, tentando me despedir dele, da mãe. Da casa e de todas as coisas lindas que eu vivi ali. Entrei na minha rua. Devagarinho eu ia me lembrando da vizinhança... tinha uma figura com cara de sapa que tinha reformado a cozinha e se achava socialite... a outra era uma velha rabujenta que tinha cachorros de madame. Passei em frente à casa do Martin, um dos meninos que eu gostei. Ele tinha uma bicicleta branca e ficava passando em frente à minha casa com ela. Mal sabia eu que anos depois a história ia se repetir... mas depois eu conto.

Estacionei o carro sem jeito no posto de gasolina que tinha ao lado, na esquina com a marginal... Não tive coragem de descer. Eu nem tinha força mais pra buscar a Thais ali. Ali eu soube o que era a morte, quando meu tio morreu. Tinha 12 anos. Recebi os meus primos, amigos, fiz uma festa de 15 anos super família. Vivi amores, senti medo. Briguei com meus pais. Irmãos. Planejei meu futuro. Decepcionei. Machuquei. Estudei. Vi o primeiro eclipse da minha vida. Ensaios de ballet... Fiz um monte de coisas escondida - que assim vão permanecer....

Aquela casa ali viu tanto de mim... das brincadeira de Barbie como agentes da Cia até às primeiras baladas, bebedeiras. As primeiras safadices inocentes das mocinhas. As famosas festas de garagem que o pessoal de Santo Amaro adorava fazer. Saudade.

Desfilei nos meus olhos, gastos, o passeio por esse passado. Foi uma delícia. Quis congelar, mas deixei as lembranças passarem, irem, livres, para o lugar que quisessem do meu coração. Fechei os olhos de novo. Liguei o carro, fechei o vidro. E voltei cantando I just call to say I love you que a minha mãe adorava cantar bem alto na Marginal levando a gente para o colégio... Eu liguei, mas como disse, ninguém atendeu. O telefone mudou...

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